O homem que acabara de
chegar, depois de passar o olhar pelo relógio, abriu o fecho do saco que trazia
ao ombro e tirou um jornal que, por momentos atirou sobre o banco de madeira,
para se sentar, pesadamente, logo de seguida.
Um olhar fugidio sobre
as parangonas do jornal, permitiu ver em título que o “défice custa 1380,00€ a
cada português”. “Uma vergonha, pensou, afinal de contas para onde vai este
país? Insegurança, pobreza, justiça tardia e inconclusiva sobretudo quando
estão em causa os grandes, os poderosos”. Abanou a cabeça e fechou os olhos
como se quisesse sacudir e esquecer o que acabava de ler e pensar. “Bom dia” -
Ouviu a saudação que lhe era dirigida e respondeu com um “bom dia” morno e
arrastado, em jeito de quem não parece minimamente interessado em estabelecer
qualquer tipo de comunicação com aquele desconhecido transeunte de barba por
aparar e sorriso que lhe sai mais da expressão que dos lábios.
Voltando aos seus
negativos pensamentos, vociferou em silenciosa antipatia “Como é que esta gente
tem disposição para dizer bom dia a gente que nunca viu mais gorda nem mais
magra?”. Sentiu-se ainda mais cheio de si mesmo e fechado num mundo onde nada
mais cabia, além dele próprio e da desconhecida beldade, por causa de quem
estava ali taciturnamente sentado num banco de madeira e à espera de um comboio
que o levaria não se sabe onde e, sinceramente, nem porquê.
O outro levantou-se,
anónimo, e partiu com o jornal debaixo do braço. Levava no rosto o seu sorriso,
que não pôde partilhar, e no coração, mais que na mente, um ranchinho de três
filhos e uma esposa que há seis meses não via. Saiu e já os braços se abriam em
arco e a voz os envolvia num quente “Oláááá” revelador de um amor e saudade que
a distância e o tempo não apagam, antes solidificam e enraízam.
E ele continuou ali
sentado à espera do que não encontrava, à escuta do que não se ouvia.
Som estridente de
ferro contra ferro, um comboio parou.