sábado, 27 de junho de 2020

Quem Ama Chora de Alegria ou de Tristeza


Falar de amor é falar de entrega de si mesmo ao outro, da capacidade de viver em função do outro, daquele que ama. Compreende-se que o amor não se faz, como tantas vezes, confundindo amor com relações genitais, se diz e ouve dizer. Não se faz porque acontece no coração e no sentimento de quem o vive, e só quem o experimenta pode falar dele com verdade. O Amor não se faz, vive-se e dá-se, porque é pessoal e entrega de si mesmo.

Quem ama deveras sabe que ao dar-se completamente à pessoa amada, não perde a capacidade de amar os outros, antes a aumenta. Só o amor total leva à realização pessoal. Um amor dividido, disperso, deixará sempre insatisfação e dispersão. É assim que se compreende que o amor de um casal, como o de um padre, só pode ser total: esposos que se amam realmente não traem, não podem trair, porque todo o seu amor se orienta apenas num sentido: o marido, a esposa. Assim também, o padre, consagrando-se a Deus, não pode, se O ama de verdade, dedicar o seu amor, dispersando-o, a outras pessoas ou coisas. Compreende-se, pois, o casamento monogâmico (casar só com uma pessoa), como se compreende o celibato (o não sacar) dos padres, como entrega de si a Cristo.

Ao dedicar um total amor a Jesus Cristo, o cristão adquire uma ilimitada capacidade de amar e de se entregar aos outros, precisamente porque põe Deus em primeiro lugar. Entenda-se que o amor a Deus é o fim último da nossa capacidade de amar. Amando-o exclusivamente, se disso tivéssemos capacidade, levar-nos-ia a um profundíssimo amor às pessoas e a toda a obra criada, não em função delas próprias mas de Deus. Talvez entendamos melhor se dissermos que nosso o amor total a Deus é um amor que atravessa tudo e todos até repousar Nele. Ora, a intensidade com que se ama Deus será refletida na intensidade com que esse mesmo amor toca tudo o que Deus criou, precisamente porque Ele o criou.



terça-feira, 23 de junho de 2020

Uma Vida, um Vazio


Vivemos uma situação completamente fora daquilo a que estávamos habituados. Não sabemos até onde isto vai chegar, como será o dia de amanhã.

Vivemos a medo: uns sem medo e sem respeito, outros temerosos demais ao ponto de, penso eu, não arriscarem viver. A vida, que é vida, é um  risco. Cada  passo que damos é o  correr do risco de dar um passo em frente. Fecharmo-nos em casa, cobertos por uma manta de medo, é deixarmo-nos abafar e adoecer no mofo da falta de arejamento interior.

Sim, com cuidado e respeito por nós e pelos outros… mas é preciso abrirmos portas e coração para aquilo que nos diz alguma coisa.

Olhando as nossas celebrações, percebemos a redução para cerca de metade do que era habitual. Não é de estranhar e é para entranhar a realidade que isso manifesta. Acredito que o ficar em casa seja, em parte, medo e precaução. Compreenderia isso se acontecesse por aqueles que são “gente de risco”, mas a verdade é que são exatamente esses, os de mais idade que regressaram.

Não creio que, na grande maioria das situações, a razão de fundo para o deixar de participar passe pela precaução e o medo. Deixaram de participar os de meia idade, que ainda vinham a toque da participação dos filhos, mas esses deixaram de estar também. Não é preciso descavar muito para ir à raiz do problema e perceber qual o vírus que a ataca: a indiferença. Sim, a indiferença em relação a Deus, não digo às questões religiosas, que deixámos de ver e sentir como Pai, perdendo mo que é fundamental: a relação pessoal de nós com Ele.

Estamos perante a mais ténue das provações e já estamos a ceder em grande escala, retirando a Deus o pouco espaço que ainda Lhe dedicávamos. Como fino pó, entranha-se em nossas vidas a força que é ausência de Deus. A sujeira está aí mas ainda não a vemos porque lhe passamos um para de pó por cima, que deixa mais lixo ainda. Embora não parecendo, é muito cinzenta a vida sem Deus.



sábado, 6 de junho de 2020

Profundíssimo Mistério


Sem a solenidade diocesana que habitualmente lhe damos, celebraremos na próxima quinta Feira a “Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus”. Esta é a mais solene expressão de fé na misteriosa e insondável presença de Jesus entre nós. Fechar o olhar exterior e sentir, contemplando, a realidade presente naquele pedaço de pão consagrado facilmente leva à emoção porque Deus está ali presente, tão presente, real e verdadeiro como está no Céu, e de quem transbordam a glória e o esplendor.

Não veremos a sua Glória, pois disso somos incapacitados, porque o nada que somos é impeditivo de ver o tudo que Ele é. Não veremos a Glória, mas, porque O vimos atuar e salvar-nos em seu nascimento, vida, morte e ressurreição, perceberemos um pedaço do oceano de misericórdia que jorra de seu Divino Coração, trespassado para que todo se derramasse, até à última gota, e nele nada restasse, além de uma porta aberta (pela lança do soldado) e a  ilimitada e infinita vontade de querer nele acolher-nos. 

Vamo-nos distraindo nas radicais posições acerca de comungar na mão ou na boca, e nas inúteis discussões sobre qual dos membros é mais digno para O receber. No meio de tudo isto, é deixada de lado a necessidade que O adorarmos em “espírito e verdade”. Tem, claro que tem importância o modo exterior como comungamos (e eu prefiro dar a comunhão na boca), mas a banalização da comunhão também se vai mostrando por aí. Nas circunstâncias em que vivemos, sobretudo tendo em conta quem comunga a seguir, apelo a que se receba Jesus na mão. Custa-me, isso sim, ver sacerdotes afirmarem negar a a comunhão a alguém que se ajoelhe para a receber, como se “o seu espírito e verdade” fosse mais reto que o da pessoa que toma a atitude de O receber assim, de joelhos.

Vem aí o “Corpo de Deus”… Também a Igreja é Corpo Místico de Cristo… Vivendo a comunhão, saibamos encontrar tempos para pedir ao Senhor que nos leve a aumentar o amor para com Jesus Sacramentado, sem nos esquecermos de Lhe dar tempo para que isso aconteça, sabendo fazer silêncio no silêncio do profundo mistério da presença de Jesus na Eucaristia.