sábado, 26 de agosto de 2023

Felicidade: uma Adaptação

A amálgama de situações de que é composta a nossa vida conduzem-nos ao estado de felicidade que sentimos em cada momento.

Naturalmente, nenhum de nós busca outra coisa senão o "ser feliz", sigamos nós o caminho que seguirmos. Naturalmente, também, afeiçoamo-nos àquilo e àqueles com quem nos identificamos, e que nos dão aquela sensação de feliz segurança que buscamos. Ainda que seja nas situações de solidão, medo, revolta interior... é ali que permanecemos porque esse é o meio que "conhecemos" e onde nos sentimos bem, embora nos faça um mal terrível. Isso leva-nos a adaptarmo-nos às situações ou adaptar as situações a nós, impedindo, muitas vezes, que haja a necessária transformação pessoal que traria a felicidade real.

Cristo propõe-nos um caminho, aliás, O caminho: que amemos Deus acima de todas as coisas e que nos amemos uns aos outros. Ora, o amor, pode dizer-se, é a adaptação pessoal ao projeto de felicidade que se abraça, não a adaptação do outro àquilo que eu sou, penso e sonho, isso é refinado egoísmo. Assim, o meu amar Deus só pode levar-me à minha adaptação a Ele, ao que pensa, aos projetos que Ele me oferece como caminho de felicidade. Nunca será a adaptação de Deus a mim, ao que, egoisticamente, penso e quero. Isso apenas criará o "encasulamento" de mim em mim mesmo, levando, possivelmente, à implosão da minha felicidade, de mim. Fechando-me em mim, estarei fechado aos outros, não os amando por não me adaptar a eles, nem permitindo que me amem, por haver uma barreira que os impede de me amarem, de se adaptarem a mim.

Pensando bem, é assim que Deus nos ama, adaptando-se a nós. Por isso mesmo se fez homem (que maior adaptação poderia haver?). Fê-lo para tornar possível a nossa adaptação a Ele. Não, não é egoísmo seu, é puro amor porque abriu o caminho que o pecado nos tinha fechado. Agora, chama-nos a fazer o Caminho com Ele. A felicidade, chamemos-lhe salvação, não acontecerá enquanto eu quiser adaptar Cristo a mim, aceitando tudo e só o que me convém. Ele será realidade apenas, e só, quando eu me adaptar a Ele e percorrer o caminho que a Ele conduz. O Evangelho mostra-me qual ele é.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Fugir das Sombra?

  Rufam a toda a brida os  tambores do escândalo. A Igreja tem nódoas, pecados, muitos pecados! Exatamente aqueles que são os meus, os teus e os de toda a multidão daqueles que são a Igreja. Puxam todas as pontas soltas  das quais possa estar um cheiro a notícia escandalosa, e ninguém escapa à acusação. Faz-se recair sobre todos a culpa de alguns, e não é apenas sobre os sacerdotes, mas, por osmose, também sobre aqueles que lhes são mais próximos, basta, simplesmente, ir à missa, ainda que a ela presida o mais santo dos santos.

Não querem estas palavras deixar de condenar o pecado, o que está mal e que, como é natural, se torna motivo de escândalo. O que é mau é igualmente mau, seja perpetrado por quem for. Acontece, porém, que se for no seio da Igreja isso assume proporções de generalidade e abafa todo o bem que se faz.

As palavras aqui registadas não buscam chegar mais longe que ao coração daqueles que, sendo Igreja, se embrenham na luta permanente e constante por acolher e viver o dom e a graça da vida que Deus oferece e que acontece em Igreja, por mais pecadora que seja. A nossa fé, em muitas situações sobejamente frágil, cor
re o risco de tombar perante o agitar de algumas palavras, quanto mais diante do escândalo público
!

E agora? Agora, não vamos deixar-nos chocalhar por todos os lados, tremendo diante da certeza de que os ataques são cerrados. Veremos, já vimos, muitos partir e deixar atrás de si os barulhos das palavras de revolta contra tudo e contra todos. Deixemo-los partir. Quando virmos que as nossas palavras, que devem ser sempre mais acolhedoras que agitadoras, não produzirão efeito, fique-nos o silêncio e a entrega orante nas mãos de Deus. Lamentemos e reparemos o mal, mas empenhemo-nos em fazer bem, sem fugir diante da primeira oportunidade que surgir para o fazer com estrondo. Se uma árvore podre cai, não temos que fugir da floresta, porque muitas outras permanecem de pé e dão flor, fruto e sombra. Fraco não é quem permanece na luta, mas aquele que debanda diante o primeiro som da sirene que anuncia o ataque inimigo, ou aquele que abandona as férias só porque caíram uns pingos de chuva.

domingo, 25 de dezembro de 2022

O Céu na Terra

Se Maria é uma nova criatura e por Ela se inicia uma nova criação, com o nascimento de Jesus alcança-se aquilo que está muito para além do pensável ou mesmo do imaginável. O divino e o humano unem-se numa pessoa. É de tal intensidade esta união que as duas naturezas, humana e divina, atuam como uma só. Diga-se assim, com toda a verdade, que Deus vive na terra. Mais ainda, que Deus fez a sua morada não entre nós, mas em nós. No agir de Jesus a
natureza humana age em Deus e a natureza divina age na humanidade, não a partir de fora uma da outra, mas numa união tão profunda, que a ação de Deus é ação humana e a humana é ação divina.

Pensemos, então, que a humanidade, em Jesus, ainda mais do que em Maria, atua em plena conformidade com a vontade divina (veremos que até à sua entrega pessoal na Paixão). Na plena  comunhão com a divindade, o Homem é fiel a Deus. Porquê? Precisamente porque nele atua Deus, sem que tenha espaço a ação pecadora.  Assim, Deus salva a humanidade. Só Ele poderia salvar-nos, exigindo de nós, naturalmente, plena aceitação da sua vontade. Ora, tal não podia acontecer na nossa natureza marcada pelo pecado.

Reconciliada com o Pai, a obra da Criação recupera o paraíso de onde, por pecado, havia sido expulsa. Impõe-se, naturalmente, uma atitude de aceitação e acolhimento por parte, não da humanidade em geral, mas pessoa, de cada um, precisamente porque Deus salva cada um na sua individualidade, não na generalidade. 

Não valerá de nada que o Natal seja celebrado como festividade familiar ou mesmo de celebração do nascimento do Menino Deus, se esse nascer não acontece no interior, na vida, de cada um. Haja a certeza, também, de que tal nascimento na vida não parte de imposição exterior, mas de uma vontade e opção pessoal, que parte de dentro, da vontade livre de cada um.  


sábado, 24 de dezembro de 2022

Nova Humanidade

 

Se em Maria, Deus "refaz" a obra da criação, sem deixar perder aquela que pelo pecado se havia desviado da vida para que fora criada, ganha uma nova esperança a nossa existência.

Desde o início, Deus manifestou a certeza de que a cabeça do Tentador havia de ser esmagada. Não se sabia o como, mas havia a certeza dada por Deus. A Conceição Imaculada de Maria é derrota do Mal e vitória do Bem, pois, ainda que sem se saber, a Mulher, aquela cuja descendência havia de sair vitoriosa sobre o poder do demónio, estava já a operar a sua maternidade ansiando que o salvador viesse. A vontade de Maria é a vontade de Deus, o atuar de Maria é atuar de Deus, pois que Ela em tudo vive a vontade divina.

A oração de Maria, a criatura perfeita, é escutada por Deus, que não pode deixar de ouvir e atender Aquela que preparara para ser sua Mãe. Compreendamos, assim, que ainda antes de Jesus incarnar e nascer, os méritos da sua Encarnação estavam já presentes: foi em vista dessa realidade que Maria foi isenta do pecado original. Assim, e porque era perfeita a comunhão entre Deus e Maria, já a humanidade beneficiava amplamente de graças divinas, já a cabeça da "serpente" estava a ser esmagada.

Temos duas realidades em simultâneo. Por um lado, está e caminha na sua
história a humanidade pecadora, perdida pelo pecado, embora não
plenamente, pois não foi abandonada por Deus, e há em si um permanente desejo de Eternidade. Por outro lado, está a humanidade santa, verdadeira imagem e semelhança de Deus, pela qual há de ser redimida a humanidade pecadora.

Sem disso ter consciência, maria era a Eleita do Pai para dar humanidade ao Filho. Conscientes disso ou não, nós batizados, somos chamados, amados, escolhidos e enviados para, em santidade, gerarmos e oferecermos Jesus ao mundo, não apenas o Menino Deus, mas o Cristo Ressuscitado.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Uma Nova Criação

Imagem e semelhança de Deus, assim foi a criação do ser humano. Essa  obra, a mais bela da Criação, caiu por terra quando cedeu à tentação do Maligno. O seu lugar no paraíso foi-lhe retirado, a humanidade passou a ser posse do Mal e a marca, o pecado, ficou para não mais acabar. Todos os humanos nasceram com esse defeito de origem. 

Deus não abandona obra criada, muito menos aquela peça que era imagem e semelhança sua, ainda que com a marca do pecado. É preciso reparar esta brecha que marca cada um de nós. Ao jeito de um pai, um pai de verdade, deus decide "começar de novo", refazendo a obra original, partindo do princípio.

Celebrámos, há dias, a Imaculada Conceição de Maria. Ela é a obra original da nova Criação. É ainda mais excelsa que a primeira, pois não permitir, nunca, que o pecado A atinja. A par com a obra antiga, está a gerar-se uma nova obra. Maria, Verdadeira imagem e semelhança de Deus, tem, por graça divina, uma missão impensável e impossível para a humana natureza: ser Mãe de Deus. Como poderá isso ser possível? Ação misericordiosa de Deus.

É de tal alcance a misericórdia de Deus que não põe de lado a humanidade manchada pelo pecado, mas Ele mesmo vem para, numa mulher (A Mulher) se fazer homem, assumindo a nossa natureza de modo a poder salvar-nos. Não se deitou fora o que não prestava, reparou-se (o próprio Criador o fez) o que estava "irremediavelmente" perdido e deu-se-lhe nova dimensão, que eu digo ser ainda mais excelsa que a primeira. Das criaturas pecadoras, Deus, por dom gratuito, fez filhos seus. De peças com defeito, Deus fez Filhos, únicos, originais. Sem nos retirar a liberdade que leva em si a marca da possibilidade do pecado, este Pai confia em nós sempre e até ao momento último da nossa existência. Não confia como ainda se dá, no Espírito Santo, para ser guia e força que nos faz permanecer no caminho da Graça.

sábado, 26 de novembro de 2022

Jesus - Único Sentido

 A vida é uma permanente expetativa. Vivemos cada momento presente com o pensamento que há de vir, no que há de acontecer, no que será o dia de amanhã, o futuro. 

Damos, hoje, início ao Advento, que é preparação para a chegada d'Aquele que há de vir. O Natal acontecerá tanto quanto, e só na medida em que, estivermos interiormente preparados, dispostos a deixar Jesus nascer. Sim, Ele faz-se presente dentro, não fora de nós. O tê-l'O na vida fará que seja levado a quem de nós se aproximar.

É muito grande o anseio de que tudo, as coisas e as pessoas, mude. A transformação acelerada em que a nossa sociedade está submersa, mostra a necessidade que temos de transformação e mudança. Mudam-se os valores, a conceção das coisas e dos acontecimentos, passando a ser bom e normal o que era impensável que alguma vez o fosse. Esta alteração do sentido e do valor das realidades está a fazer-nos perder o caminho: buscamos algo que queremos, mas, desvirtuando a verdade das coisas e das pessoas, nunca encontraremos a verdade de nós mesmos e, assim, nunca encontraremos a satisfação que saciar-nos. Antes, quanto mais   nos desviarmos do reto caminho, mais insatisfeitos nos encontraremos e mais quereremos transformar até chegarmos a um beco sem saída e tudo, até a vida, perderá sentido.

O Advento é o tempo propício para que se inicie a verdadeira transformação, aquela que nos leve ao encontro pessoal com Cristo, aquele que é a origem, a fonte e o sentido da vida. Precisamos convencer-nos de que Ele é o Homem, a que só Ele viveu plenamente o ser pessoa. Para além do mais, Ele é Deus. As duas naturezas, humana e divina, unem-se e existem numa só pessoa. As duas  dimensões, material e espiritual, coexistindo num único ser são a mais perfeita das comunhões. Só Ele, entendemos isso, é caminho, verdade e vida, sendo que só Ele dá sentido e razão de ser ao passado, ao presente e ao futuro.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

"À Minha Maneira"

 Um Deus à nossa maneira, à nossa semelhança. É convicção bastante generalizada a de que Deus "construção humana" para tentar apaziguar, explicar e justificar o nosso modo de ser. Um Deus "construído" é inexistente, se o é, não tem razão de ser o acreditar Nele. Justificamo-nos com esta ideia quando não acreditamos ou não buscamos razões para acreditar.

A fé é dom e é caminhada pessoal. Para quem acredita, é bom sentir e ver quando há realmente, questionamento acerca de Deus. Esse é sinal de que, ao menos, há uma relação de dúvida e, ainda que seja de dúvida, há uma relação com Deus, possibilitando o encontro pessoal com ele. Sim, porque, ou há encontro pessoal, ou nunca se encontrará de facto.

Olhando as coisas em perspetiva diferente, e se acreditamos, há em nós a convicta certeza de que, nós sim, somos imagem e semelhança de Deus, por Ele assim criados. Porquê e para quê imagem e semelhança de Deus? Precisamente para participarmos da sua ontologia (o seu ser). Fomos criados para participarmos do ser de Deus e, assim. Ele poder partilhar connosco, criaturas, aquilo que Ele é, a vida e a glória que há Nele. Complicando a linguagem, em Deus não nada, haver é acrescentar alguma coisa. Deus é vida, luz, beleza, bondade (bem)... não é morte, escuridão, fealdade, maldade... estas características não existem por si, são ausência dos seus opostos. Entenda-se: a pessoa, em si, não é feia, o que ela não é, é bela (há nela ausência de beleza), e aqui aplica-se em todos os sentidos. 

Ora, a nossa participação no ser de Deus, participação que, depois do pecado, acontece pelo batismo, faz de nós pessoas de esperança e enche de sentido a vida que somos e vivemos, precisamente porque existimos não em função de nós ou de uma passagem, mais ou menos breve, pela vida, mas, porque vivemos em função da eternidade em Deus.

Sabendo-nos participação de Deus, não queremos nem exigimos explicações, somos felizes "porque sim", porque somos de Deus e vivemos em função dele. Tudo tem sentido, até a cruz se enche dele.