segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Silêncio Sepulcral (9)


... saiu com uma alegria semi-contida, eu diria, mais interior que exterior: pensamentos e sentimentos tristes numa mistura de alegria por saber que não tinha embarcado na ideia de dinheiro fácil que o homem gordo e feio do jornal lhe havia, aparentemente, mostrado.
O dia iria ser longo, muito longo mesmo, na história dos anos futuros. Não tinha ainda virado a esquina do café. Depois de ter levantado o braço para saudar alguém que passava de carro e lhe tinha feito o mesmo, sem que ele tivesse tido tempo de saber quem era, viu uma sua prima caminhando em direcção a ele.

Sem que pudesse controlá-lo, um arrepio gelado percorreu-lhe o corpo de alto abaixo. Ao vê-la, percebeu que alguma coisa de diferente se passava, aquele não era o sentimento normal que tinha quando a via, conheciam-se muito bem, ou não tivessem eles crescido a partilhar uma amizade séria e bela.

Interrogando-se, caminhou em sua direcção.

Ao perceber nela um olhar fundo e frio e a ausência do sorriso que, usualmente, lhe transborda do rosto, o coração apertou-se-lhe no peito: inevitavelmente, aquele seria um momento dramático. Sem perceber ainda porquê, recebeu o abraço da prima e acolheu-lhe as lágrimas  com o ombro, esse a que se chama de ombro amigo.

Da boca não saiam as palavras e ela ficou ali, num abraço parado, buscando forças para dizer o que tinha que ser dito, mas que lhe tinha também bloqueado a voz. Afastou-se para o olhar nos olhos. Ainda de rosto pesado fixando o chão, como se não quisesse que ele visse que chorava, passou os dedos das mãos pelos olhos e pelo rosto para limpar as lágrimas que caiam teimosas.

Olhar vermelho, não de ódio, porque esse só os maquiavélicos o conseguem alcançar, mas de tristeza e medo. Olhou-o, respirou fundo para ir buscar as palavras lá bem no fundo do peito, e carregando-as de força para que não se ficassem pelo caminho. “O teu pai...” disse ela em sufoco. Mais nada saiu, apenas novo abraço um soluço sonoro e lágrimas. “Morreu?” perguntou ele com uma certeza absoluta de que era verdade.  Sentiu o queixo dela no seu ombro dizer sim num abanar lento de cabeça porque as palavras voltaram a não sair.

Ele era filho e ela era como se o fosse também. Muito do tempo e muitas das histórias da sua infância tinham sido passadas em casa dos tios, nas brincadeiras com os primos, em algaraviada de pôr os nervos em franja a quem deles se ocupava. Percebia, agora que grande parte da sua vida fora passada ali, por isso sentia que com a morte do tio lhe morria um pai.

O silêncio tornou-se sepulcral. Só o fungar de narizes entupidos se fazia ouvir.

Sem palavra, lado a lado, caminharam rumo a casa. Era estranho, muito estranho, aqueles dois estarem juntos em silêncio.