segunda-feira, 17 de junho de 2024

Crescer no Silêncio

Queremos sinais grandes, enormes mesmo, sem que passe o tempo que nos permita observar, sentir e ver, o que a vida é,  o que somos nós e o que os outros são. A semente lançada à terra vai envolvida na expetativa e na esperança. Passa o necessário tempo para que brote e as tais esperanças e expetativas continuam, avolumando-se no fruto que se sonha ver recolhido. Só quando o fruto está guardado o coração do semeador descansa.

O tempo conta de modo diverso de uns para os outros. Centrando-nos no mundo, fazemos girar tudo, até Deus, à nossa volta e em função de nós, segundo  o nosso tempo, a nossa vontade e o nosso querer. Em atitude assim, gera-se egoísmo sempre mais intenso, fechando-nos num casulo intransponível com que nos envolvemos.

Lançar semente e, assim acontece com sementes de bem e de mal, deixar que elas cresçam. Lançar umas após outras e fazer que o campo se encha muito bem. Se as sementes são de Mem e se são muitas, muitas serão as flores, o perfume e os frutos que se colherão com o tempo, não o nosso tempo, mas o tempo justo, e tempo reto, o tempo de Deus. A podridão, as flores mortas e o odor horrendo muitos serão também se as sementes semeadas são muitas e envolvidas na fragrância do Mal.

O Reino dos Céus nasce assim. A semente do Espírito que, no silêncio de Maria, gera o salvador em seu seio e O dá à luz no silencioso silêncio de uma gruta. A vida silenciosa que é vivida até ao anúncio público da salvação, e o silêncio de Jesus perante as invetivas ruidosas do mundo. A morte no silêncio oferecida quando os ruidosos julgavam que matavam e silenciosa ressurreição, que ninguém viu, apenas se viu o Ressuscitado.

O Reino dos Céus cresce assim. A semente do Espírito que nos faz filhos, no silêncio de querer o batismo, e que no silêncio de uma vida lado a lado com Deus faz crescer a graça e torna graça os silenciosos atos de Bem que, no silêncio de nós mesmos, geramos com o nosso frágil ser. O pouco que somos capazes de querer e o pouco que conseguimos fazer, transformam-se e crescem e tornam-se o muito que a força do Espírito pode em nós, tanto quanto O deixarmos, fazer. Pensamentos pequeninos, atos sem serem vistos, no silêncio luminoso de nós, tornam céu a vida que, já aqui, vivemos.

domingo, 19 de maio de 2024

Ação em Deus pelo Espírito

Assim o tinha prometido, assim o fez, como faz sempre. Dez dias depois da sua Ascensão, o Espírito Santo é enviado pelo Pai e pelo Filho. Veio para recordar o que Jesus tinha dito e dar a conhecer coisas novas; veio para dar ânimo, gerando vida divina em nós, e para ser força no caminhar para Deus; veio para fazer de nós morada divina.

Talvez passemos pela vida sem nos apercebermos de toda a força e ação que o Espírito Santo exerce nela. Depois do pecado original, perdendo-se a graça, que nos fazia verdadeira imagem e semelhança de Deus, o nosso ser passou a agir essencialmente seguindo as suas frágeis capacidades humanas (claro que a ação de Deus em nós não deixou de acontecer).

O pecado fez-nos perder a capacidade divina para atuar, incapacitando-nos para o reencontro com Ele. Só a divindade de Cristo, intimamente unida à nossa natureza humana, permitiu a reconciliação Deus/humanidade. Ora, a nossa frágil natureza humana continua incapacitada para a vida da graça, pois ficou irremediavelmente fragilizada pelo pecado. Mas Deus, na sua incalculável misericórdia, não nos salvou apenas, fez de nós morada sua, na pessoa do Espírito Santo e, se o permitirmos, pois temos a liberdade de o não fazer, essa presença do Espírito capacita-nos para a ação em Deus, para a vida divina, vivificando e engrandecendo as nossas ações. Quer isto dizer que, por graça divina sempre, nós podemos a partir de Deus, em Deus e por Deus.

É aqui que entra a nossa vontade, o nosso querer, fazendo que tudo possa acontecer humana ou divinamente: a mesma atitude pode limitar-se a ser mera ação humana, e embora sendo boa é pobre e frágil, ou tornar-se “divina”, se estivermos na graça e atuarmos como participantes de Deus. Aí, a ação,   ainda que por si seja pobre e frágil torna-se grandiosa, divina e eterna porque o Espírito Santo, santificando-a, a eleva a essa condição.

Entende-se, assim, que não podemos fazer o bem no verdadeiro sentido do termo, se não tivermos o Espírito em nós e O deixarmos atuar. A ação boa será meramente humana, não participando do bem e do mérito divino, por não ser participação do Bem Supremo, que Deus é.