
É a última vez que o seu corpo está na casa
que, em muitos anos, foi o templo do sofrimento e das alegrias do casamento.
Duas filas se organizam e o cortejo avança. Céu nublado.
O nosso homem do banco
de madeira olha o céu em jeito de implorar dele um sinal. E ele aconteceu: o
céu de nuvens abriu-se em acto de milagre, as nuvens romperam-se e um nesga de
sol brilhou por uma questão de segundos. Mais ninguém viu, mais ninguém sentiu,
mais ninguém olhou, mas essa era a certeza de que, lá do céu, com uma ternura
de mãe, aquele pai olhava os seus filhos. Os raios de sol tocaram-lhe o
coração, que, embora a tristeza se mantivesse, deixou cair a amargura e se
encheu de esperança. A caminhada para a igreja, e mais tarde para o cemitério,
tornou-se leve e a escuridão deu lugar a uma luz doce.
Terra fria. Terra molhada. Terra danada e agre cobre a urna. O seu corpo
desaparece para sempre. O regresso tranquilo de todos a suas casas, a chuva
permitira isso, para depois voltar a cair, desalmadamente, sobre tudo e todos.
O milagre acontecera, a sua oração fora ouvida, o tempo parou para permitir que
o funeral decorresse sem quaisquer percalços.
Voltou a casa. Trazia agora a certeza que em tempos de catequese apreendera das
palavras da sua catequista: Deus existe. Deus é Pai. Deus é Misericordioso.
Deus olha por nós, em qualquer momento e situação.
Confortou-o a esperança de que
seu pai estava vivo, agora na intimidade de Deus, agora ainda mais próximo de
seus filhos. As lágrimas não corriam já, pois haviam dado lugar a um sentimento
de gratidão. Deus chamara seu pai porque o queria junto de Si, porque o não
queria ver sofrer mais, porque tinha um lugar preparado pare ele na Eternidade,
porque Ele assim quis. Sentia agora seu pai bem mais próximo que quando o podia
tocar, sentir e beijar. Sorriu fundo, sem nada dizer a ninguém, mas sabendo ser
agraciado por Deus. A vida acabava de ganhar um sentido novo, seu pai estava
ressuscitado em Deus.
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