
Um pensamento. A mão levada ao bolso.
A carteira que lá não estava. Esquecera-se dela em casa. A ideia de ir beber um
café, e a constatação de que não levava carteira, despoletara nele uma resma de
sentimentos. Inverteu caminho enquanto invertia também o seu humor.
Uma topada numa pedra e um quase cair
no chão. Uma palavra, dessas que sua avó tantas vezes tinha chamado de feias.
Se antes parecia voar, agora já tinha perdido as asas que o faziam planar de
entusiasmo. “Porque diabo, havia de haver sempre alguma coisa a correr mal?”
Voltou a casa. Barafustava por dentro e por fora.
Um gafanhoto pousou-lhe sobre o peito.
Olhou-o sorrindo e num gesto brusco apanhou-o. Percebeu a força que um tão
pequeno bicho exercia com um único intuito: libertar-se das agigantadas mãos
que o haviam aprisionado. Abriu a mão e viu-o voar para longe.
A aragem trouxe-lhe pensamentos novos:
num momento o gafanhoto está preso e noutro voa para longe. Num momento, ele
estava fervilhando de alegria e no outro estava a dizer “palavras feias”,
simplesmente porque se tinha esquecido das moedas com que havia de pagar o
café. Em simultâneo nasceu-lhe no rosto um inquieto sorriso e a lembrança certa
de que a vida é como uma roseira. Belas flores e sonhos que brotam lá no alto e
espinhos e dores que impedem que sejam alcançadas num ápice. “O que é belo e
bom, leva tempo a conseguir-se” pensou.
Já saía de casa, novamente, enquanto
meditava na certeza de que Deus dá pão e peixe mas não nos isenta a nós de
participarmos na elaboração da refeição. Quer os nossos pães e os nossos peixes
para que a refeição, como a vida, tenha um sabor humano-divino.
Mergulhado em desabituais pensamentos
não se apercebeu de que a Ninfa,
alcunha por que era mais conhecida, chegara bem perto dele. Percebeu, isso sim,
que estava, hoje, bonita como nunca. Fez-lhe perceber isso. Ela reagiu,
franzido o sobrolho, chamando-lhe tonto e garantindo que estava muito normal,
até porque nem tinha feito maquilhagem. “Nunca tinha reparado que eras tão
bela”, disse-lhe ele, escondendo o facto de que ele é que, nesse momento, se
sentia como nunca.
Olhou-a nos olhos, desviou dela o
olhar, tinha mesmo que ser, e convidou-a para beber um café. “Não há dúvida de
que olhamos sempre os outros segundo o nosso estado de espírito interior”,
pensou.
Entravam no café. A porta, apenas
semi-aberta,…
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