domingo, 7 de abril de 2013

Cai a Noite em Nova Iorque (22)


Cai a noite. Um dos milhares de sem-abrigo que rastejam pela vida, está ali  deitado dentro de uma caixa de papelão suja.

Quando chegou transportava em si a imagem de que os Estados Unidos seriam o paraíso na terra e uma das desilusões que apanhara foi o facto de encontrar gente sem número vagueando pela noite escura dos  sem esperança, gente cheia de nada e com mil razões para nunca esboçar um sorriso.

Haviam perdido o sabor dos sorrisos, da alegria e mesmo da vida. Diante deles não há placas a indicar direcções  ou caminhos. O destino para que se sentem chamados é vazio e por isso seus olhares só mostram o nada, são apagados.

Desde o primeiro dia, em que pisara aquelas paragens, que se sentia impressionada por essa certeza de que no país do Tio Sam também havia muitos milhões de pobres.

Enquanto caminhava saboreando o doce das palavras que escutara encostada ao mastro da bandeira de Portugal, parecia ter-se tornado ainda mais sensível àquela miséria adormecida nos vãos de escadas dos escritórios ricos de Nova York. Ela tinha quase tudo o que era preciso para se ser feliz, para se sentir única no mundo e na história.

Bem sabia que muitos outros tinham mais, mas o que tinha lhe bastava e nunca se sentiu desejosa de muito mais. Tinha uma família, inteligência e um curso que a encantava por se sentir atraída pelo que fazia, amigos sem número, embora os de peito fossem apenas um pequeno número, porque assim escolhera e não precisava de mais.

Tinha receio de dar esmola fosse a quem fosse, porque sempre ouvira dizer  que muitas vezes os mendigos não precisavam, que o que recebiam era para gastar em vícios, e que até mesmo o que se dava para instituições servia, em muitos casos, para ir enchendo bolsos de dirigentes. Já uma vez ou outra tinha discutido essas questões mas sempre sem aclarar ideias dentro de si.

Agora, caminhando, pensava que todos têm o direito de ser felizes, se não sempre, o maior de tempo possível. Se podia partilhar com aquela gente alguma coisa, porque é que havia de estar a pôr em causa o destino que dariam às suas ofertas? E não será que pudesse fazer alguém feliz dando um pouco de si, mesmo que não desse dinheiro?  Mas não tinha tempo…
O curso absorvia-a demasiado, e porque queria dar tudo para que a nota final dos seus estudos fosse realmente brilhante, sempre foi considerada a melhor aluna por onde passou na escola. Tinha medo de poder agarrar-se demasiado às suas coisas e a si mesma perdendo as oportunidades de estar mais próxima daqueles de quem ninguém se aproxima. Ousou pensar que era preciso arriscar.

Entrou em casa, ligou a televisão e recebeu a notícia de que duas crianças tinham morrido queimadas em casa, onde a mãe as deixara para ir trabalhar sem ter oportunidade económica para as deixar à guarda de alguém. Também ela não tinha tempo para seus filhos e perdera-os de uma só vez. Não queria acreditar que o dia terminasse assim. Ficou especada na sala, quase sem reacção. 

Perguntou-se: “que estou e u a fazer à minha vida?”  

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