sábado, 23 de novembro de 2019

O Senhor é Rei

Coroado de ignomínia pelos corações e pela coroa de espinhos que lhe cravaram na cabeça, Jesus é ultrajado da forma mais vil que poderia pensar-se. 

A grandeza e a sublimidade da sua realeza manifestaram-se ainda mais aí que em qualquer  um  dos outros momentos de sua vida. Sendo Criador, Rei  e Senhor, de todo o Universo, assumiu o mais vil dos ultrajes não em forma de fraqueza mas de infinita dignidade e misericórdia. Em nada, em nada mesmo, foi a sua realeza ferida. Foi ferido o Coração de onde jorram infinitas graças e infinito amor. Ferido por nós, ferido por causa de nós, porque não nos abrirmos a Ele, acolhendo os dons que nos conduzi-riam à vida na Glória, essa vida que a que nos chama e que nos oferece. O sofrimento de Deus não O fecha em Si mesmo, por não ser egoísta, mas precisamente por ser plenamente altruísta, sofre por nós, por nos ver sofrer nesta vida, e por nos ver a percorrer caminhos que conduzirão a um sofrimento eterno e sem um único momento de alívio, como nos diz o Livro do Apocalipse.

O sofrimento de Deus está no nosso sofrimento, sofrimento que advém do nosso não vivermos como nos manda, de O recusarmos no nosso pecado. Sofre por nos ver perdidos sem nos poder retirar do caminho de perdição quando, por opção pessoal e livre, por ele optamos.

Pecadores somos, sem que alguém com verdade o possa negar. Perdidos não estamos, a não ser que voluntariamente queiramos afastar-nos de Deus e da misericórdia que em permanência derrama sobre nós. Deixou-nos os remédios de cura e fortalecimento: os sacramentos. Não os viver, desde o batismo à unção dos doentes, é não querer recorrer aos meios de que dispomos para a caminhada. É desperdiçar graças que por eles nos são conferidas com a infinita gratuitidade de Deus. Querer chegar à meta de Deus, aceitar e viver segundo as regras que Ele mesmo nos apresenta, é estar a caminho da casa do Pai.

Celebramos hoje Jesus Cristo Rei do Universo. Celebramo-lO no último domingo do ano litúrgico dizendo claramente que além se der princípio Ele é o fim de todas coisas, O Senhor virá para reinar com justiça, acolhendo no seu Reino todos os que, vivendo comunhão com Ele neste mundo de tribulação, Lhe são fiéis, O aceitam e querem em suas vidas. Nada nem ninguém pode evitar o seu Poder.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Verdade Nua e Crua

“Diz uma parábola judaica que certo dia a mentira e a verdade se encontraram.
A mentira disse para a verdade: - Bom dia, dona Verdade.
E a verdade foi conferir se realmente era um bom dia. Olhou para o alto, não viu nuvens de chuva, os  pássaros cantavam... Vendo que realmente era um bom dia, respondeu para a mentira: - Bom dia, dona mentira.
- Está muito calor hoje, disse a mentira.
E a verdade vendo que a mentira falava a verdade, relaxou.
A mentira então convidou a verdade para um banho no rio. Despiu-se das suas vestes, saltou para a água e disse: - Venha dona Verdade, a água está uma delícia.
E, assim que a verdade sem duvidar da mentira tirou as suas roupas e mergulhou, a mentira saiu da água e vestiu-se com as roupas da verdade e foi embora.
A verdade por sua vez recusou-se a vestir-se com as vestes da mentira e por não ter do que se envergonhar, saiu nua a caminhar na rua, por onde continua a andar.
E aos olhos de muitas pessoas é mais fácil aceitar a mentira vestida de verdade, do que a verdade nua e crua."

É parábola, uma história, que nos entra dentro e toca em todos os sentidos. Dizemos, todos, palavras doces de ouvir mas muito amargas, mais que fel; temos gestos de acolher que despidos de sua hipocrisia poderiam chegar a matar. Não é diferente na história de nossas relações com Deus: quantos atos de amor que nada mais fazem que sofrer!? Quantas promessas de conversão que não vão nunca além de palavras, embora nos deixem a ilusão de um grande amor?

A verdade dói. Não nó nesse sentido com que o leitor entendeu. Dói mesmo e chega a matar. Das mentiras vestidas de verdade que saem de nossa boca e dos gestos mortais que se vestem de abraço e sorriso permanece a verdade. Mata, não aquele a quem se dirigem as palavras e os gestos, mas aqueles que as dizem e fazem. 

A verdade, nua e crua, anda mas não se cansa e corrói-nos o coração e a vida quando de nós sai mentira que pula e salta na alegria por ter as roupas da verdade.

Assim é ´de uns com os outros, assim é de nós para com Deus. Portadores de verdade profunda deixamos abafar-nos nas "verdades" da mentira e morremos devagarinho, agonizantes e, muitas vezes, sem pegar a mão salvadora de Deus.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Entre Nós e Deus

Resultado de imagem para caracter de diosMais, muito mais, que uma casa de pedra e cal, o Seminário é a casa, a família, em que Deus acolhe, ajuda ao discernimento, guia, ensina e encaminha aqueles que chama para o serviço do Reino. Esses são os escolhidos para a porção predileta da vinha do Senhor. Porque escolhidos e especialmente amados por Deus, são também os mais tentados a desviarem-se do caminho.

 O Seminário é espaço e tempo de discernimento e formação sacerdotal. A Igreja não pode subsistir sem os sacerdotes porque neles atua O Sacerdote Jesus Cristo. É admirável este mistério a todo o amor que Deus manifesta nele: mesmo no meio dos pecados dos sacerdotes Deus continua a estar presente e a atuar. Não esquecendo, no entanto, que quanto mais graça neles houver mais graça  atuará nas ações que realizam. É, por isso, fundamental a oração, a presença de toda a comunidade.

A Diocese que somos não é grande, mas os trabalhadores são poucos, cada vez menos. São aqueles que a comunidade que somos permite, mas menos que os que ela precisa.

Estamos em "Semana de oração pelos Seminários". Passar ao lado desta realidade é passar à margem das necessidades mais premente que temos, não apenas a Igreja, mas a humanidade. Sabemos como cada vez mais é difícil ter sacerdotes nos momentos em que sentimos precisar deles. Ficar de mãos caídas e não fazer nada, ao menos rezar, é aceitar tranquilamente a situação, embora provoque muito mal-estar a falta deles quando os queremos e os não temos. 

A questão está em que realmente não podemos passar sem os sacerdotes se buscamos a felicidade, aquela que só em Deus se encontra, mas não nos damos conta dessa realidade interior e com toda a facilidade e intenção desprezamos a sua ação, recusando que Deus atue na nossa vida, na nossa sociedade. Por isso, vamos caindo fundo, sempre mais fundo, sem encontrar tábua de salvação pela qual sejamos salvos. Só Ele pode, realmente, salvar-nos.

sábado, 2 de novembro de 2019

Com Tudo e Sem Nada

Não há coração ou cabeça que resistam. Vivemos em ambiente minimamente cristão, celebrando nestes dias “Todos os Santos” e os “Fiéis Defuntos”, festas profundamente cristãs, que nos apontam para a realidade de Deus, do bem, da luz, da vida. A elas antecipou-se uma outra de cariz completamente oposto e antagónico: o “Alloween” que evoca o mal, as trevas, a morte… Aparentemente não se trata de mais que uma festa mas, indo um pouquinho mais além percebe-se que, realmente assim não é.

Deixemos isso para nos centrarmos no que quero partilhar convosco e que, me preocupa, embora não angustie. Digo que não há coração que resista por estarmos a viver num mundo em radical mudança, encontrando-nos no meio de opostos que nos atraem e repelem: o homem e a máquina; o material e o espiritual; o bem e o mal…

Somos famílias pequeníssimas mas vivemos em casas enormes; recebemos informação em cima do acontecimento, mas não nos conhecemos uns aos outros; temos centenas de “amigos” espalhados pelo mundo, que “fizemos” nas redes sociais, mas não saímos de casa para falar ou estar com os vizinhos; queremos dar o melhor às nossas crianças, mas não lhes ensinamos os valores que lhes dariam a felicidade; somos grandes humanistas, mas defendemos mais os animais que as pessoas; gastamos biliões a construir naves espaciais, mas pagamos muito caro os transportes; gastamos tudo na busca de poder viver no espaço, mas não resolvemos os problemas da fome, da vida, na terra; temos tudo, como nunca se teve, mas, no fundo, somos infelizes. A lista continuaria.

Vivemos tão vazios e distantes de nós mesmos porque recusámos o termos sido criados à imagem e semelhança de Deus. Se não nos fixamos na razão por que fomos criados, perdemos o sentido de nós mesmos. Torna-se isso insuportável e torna-nos a nós insuportáveis para os demais porque os olhamos como concorrentes não como irmãos, como coisas ao nosso serviço não como pessoas a nós iguais. E o vazio dentro de nós enche-se sempre mais do nada que lhe damos na de o preencher. Cada vez mais  nos sentimos vazios porque nos buscamos fora de nós mesmos.

Se não sabemos o que realmente somos, não levaremos as crianças a crescer na descoberta do que são. Geramos nelas a confusão. O que julgam ser recebem-no de fora, de ideias de gente que não sabe o que é, e não de dentro de si mesmas, da força interior com que foram criadas. Serão mais infelizes que nós.
Não há coração ou mente que resistam.