quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Ser Família

Este é dia (26-12-2021) dedicado à celebração da Sagrada Família de Nazaré.

Sendo o Natal o mistério da Encarnação do Filho de Deus, é mistério que não pode dizer-se por palavras, apenas ser contemplado e amado. Este mistério divino acontece no seio de uma Mulher, no seio de uma Família, naquele silêncio de tudo o que não

pode dizer-se, apenas contemplar-se e amar-se. Olhamos a família de Nazaré e facilmente nos fixamos na sua beleza artística, passageira e fugaz, dependente da sensibilidade de cada um, diferente para todos.

Não se vê de olhos abertos, contempla-se nos olhos fechados, no olhar da mente em estreita comunhão com o coração. Aí, aí, encontra-se a real beleza de uma comunhão familiar que é, por si e na envolvência de Deus, mistério que, como o de Deus, não pode também falar-se por palavras, só no íntimo de nós mesmos, na luz que as fragilidades humanas permitem que o coração e o amor possam ver.

José, apanhado desprevenido num mistério de salvação que só a revelação divina, através do seu Anjo, pôde fazê-lo entender, ou, mais que entender, fazê-lo amar com uma intensidade de que o coração só por graça é capaz.

Maria, a jovem mulher cheia de Graça, a viver em divina comunhão, sendo a mais humilde das criaturas, superada só pela humildade de Deus aos fazer-se Homem, estremece diante do Anjo que Lhe faz anúncio de que será a Mãe do Filho de Deus. Não teme porque Deus a fortalece e porque se sabe plenamente nas mãos de Deus, embora sentindo-se a mais indigna, assume-se como escrava ao serviço dos planos do Senhor. Não, não pode passar-nos pela mente o sentimento de amor que acontece nesta mulher para com José e, sobretudo para com seu Filho, o próprio Deus.

Jesus, o Tudo que em plena humildade, só contemplável à luz da Misericórdia, assume o "nada" da nossa natureza e se dispõe a ser acolhido, amado e cuidado por José e Maria. Um Deus que aceita o "risco" de viver a nossa humanidade. Mas sim, assume esse "risco" no seio daquela que é uma família de amor elevado à intensidade de ser mistério que só na fé pode entender-se.


terça-feira, 30 de novembro de 2021

Esvaziar-se


 

Iniciamos o Advento. Vivê-lo é fazer Natal. Os dois tempos não podem ser separados, porque o Natal acontece realmente, apenas e só, quando o Advento acontece também. O ambiente comercial manifesta isso muito bem. Tudo o que cheire a um pouco de negócio está embrulhado em luzes e cores natalícias.

Nós, cristãos, olhamos, queira Deus que sim, os tempos do ano com um olhar diferente. O Advento é preparação interior, e pessoal, para o acolhimento do Salvador. Ele quer nascer, permanente, em nossas vidas. Se há dois mil anos assumiu a natureza humana para estar entre nós, hoje, o seu nascimento acontece dentro, na vida, daqueles que se dispõem a acolhê-l'O Aqui é bom pararmos um pouquinho e percebermos que Deus nos é íntimo, faz-se presença em cada um. Isso tem que levar-nos a vê-l'O presente em nós mesmos e nos outros.  Deus ama-se nos irmãos e os irmãos amam-se em Deus. Daí vem a certeza de que quanto mais amamos Deus, mais amaremos os irmãos. Só ama Deus quem O tem em si mesmo.

Sentir o Advento com verdade é tomar consciência da fragilidade da vida  que somos, e que envolvemos na ilusão das grandiosidades da capacidade humana e do poder económico, e, no mesmo olhar, sentir a absoluta grandiosidade de Deus e tomar consciência da plena humildade que manifestou, assumindo a nossa natureza e condição. Deus é o Eterno, nós somos uma passagem. A tentação é assumirmo-nos como deuses abdicando de Deus. Querendo subir, assim, além das nossas capacidades entramos em situação de queda abrupta e mortal.

Em primeiro dia de Advento somos chamados à vigilância, ao necessário prestar de atenção para que a vida e o tempo nos não passem ao lado. Nem a vida nem o tempo voltam ou se repetem, cada momento acontece de forma única. Um momento que não se viveu segundo o plano que Deus traçou para a vida que nos dá é momento perdido.

Viver Advento é entrar dentro de nós mesmos, vasculhar tudo, e deitar no saco da misericórdia divina o que não presta, ocupa lugar e faz pó, para repor Deus em todas as dimensões do ser que somos.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

O Céu Reaberto

As minhas leituras dos últimos tempos tem-me levado a reformular um pouco a visão que temos da participação de Nossa Senhora na História da Salvação. Chego a pensar que somos severamente mesquinhos ao apresentar Maria como uma mulher "normal" como "qualquer outra", querendo, com isso, fazer dela modelo ao alcance de cada um de nós. Esquecemos que Ela é absolutamente extraordinária (não é normal o que é extraordinário), mas, sendo-o, viveu, ao olhar humano, uma vida normal, como era de esperar, uma vez que o fez na mais extraordinária das humildades.

Hoje celebramos a sua elevação ao Céu. Viveu alguns anos depois da morte de seu Filho, e por fim também Ela "adormeceu" para que, humanamente, tudo fosse "normal". Sorrio com emoção ao pensar como Deus se desfaz em misericordioso amor por mim, por nós. Com a Ascensão de Jesus acontece a "reabertura" do Céu fechado à humanidade depois do pecado de Adão. Sendo Maria perfeita criatura, Ela pertence ao Céu, não à terra. Não, a Santíssima Trindade não ""viveria" sem Maria no tempo que medeia entre a Ascensão e a Assunção? Deixemos, por agora, a tentativa de compreender a eternidade, onde não tempo nem ausência). A primeira, porque a única perfeita, criatura a cruzar as portas do Paraíso teria que ser Maria. Abertas por Jesus (gerado, não criado), só Maria as poderia cruzar para, com a Santíssima Trindade, receber as almas libertas do poder das trevas e que, com a ascensão de Jesus, foram elevadas ao Céu. Acredito que Maria foi elevada ao Céu e coroada Rainha Universal no primeiro "momento" de "Céu aberto".

Limitamos o poder de Deus e, por isso, reagimos à ideia de que Maria possa ter sido elevada ao Céu, vivendo ainda na terra e sem nela deixar de estar visível e presente. Não, não ficou no Céu, e aqui está misericórdia de Deus e de Maria. «E vi descer do Céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada, qual noiva adornada para seu esposo (...) Esta é a morada de Deus entre os homens). Ap 21, 2.  Voltou, já Rainha da Igreja e do universo, para "ajudar" com sua presença maternal a lançar e fortalecer, como embaixadora de Deus, os fundamentos da Igreja instituída por Cristo.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Crianças Semente

  Uma semente pequenina, lançada em terra escura, na escuridão da terra sepultada, o silêncio, como de escura noite e a humidade, alma da vida terrena, no segredo do silêncio, fazem vida germinar naquela semente seca, morta na sua  aparência. Em planta verde, fresca, tenra, aparece à luz do dia a vida em que aquela semente se transformou e cresce, cresce em rápido ciclo a dar fruto e novas sementes, sem mais parar, se não for interrompido de morte um dos ciclos de vida que a semente, pequenina, um dia, gerou ao morrer na noite escura da terra fresca.

É oportuno que os sábios, depois de atingirem a sua mais alta sabedoria, conversem com as crianças. São semente viva e são terra iluminada ávida por receber vida e vida semear na irrequietude de seus gestos e na língua desprendida para lançar, no campo do mundo, a verdade que aprendem e que são, e alegrarem com o som dos seus sorrisos e a rapidez das suas correrias, as vidas cinzentas dos adultos que somos.

As crianças são, quanto mais crianças mais o mostram, a concretização bem clara da história da semente pequenina. Aprendem, nem nós percebemos bem o como ou o quanto, aquilo que a nós nos não passa pela cabeça. O seu espírito puro, o seu imperturbado desejo de crescer em todos os sentidos, e a sua incomensurável capacidade para acolher e criar imaginários, fazem delas, por natureza, o campo perfeito para aprender e se deixarem embeber daquilo que se lhes dá, seja bem seja mal.

Crescendo, vão perdendo umas capacidades para ganharem outras e a elas se adaptarem conforme o lastro que lhes está dentro, desde a infância, e que se vai firmando ou amolecendo conforme a qualidade das experiências e das pessoas que as rodeiam, como planta que cresce em ambiente puro ou naquele que é inquinado de poluição mortífera.

Queremos, talvez, que cresçam e depressa deem muito e bom fruto. Dá-lo-ão se, como família que somos, as soubermos alimentar, regar, e viver em ambiente saudável de bons e verdadeiros valores humanos e espirituais. 

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Só Nos Falta Amar

É comum dizer-se que situações que nos marcam negativamente fazem doer o coração. Não que o coração doa realmente, por isso, mas porque ele é tido como centro e fonte dos sentimentos, bons ou maus, bem como da própria vida. Assim, dizer que estas situações provocam dor de coração é dizer que afetam o mais profundo, o mais íntimo de nós mesmos. 

Celebramos, sexta e sábado, dias 11 e 12, respetivamente, o Sagrado  Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria. Corações intimíssimos um do outro, porque além de serem de mãe e de filho, o são numa dimensão divina, um Sagrado e outro Imaculado numa perfeita sintonia de amor.

Porque é, em essência, misericórdia, Deus fez de Maria uma criatura perfeita, tão perfeita quanto Deus pode fazer e a criatura, por força e graça divina,  o pode ser. Foi esta perfeita criatura que deu humanidade, a condição e forma humana, ao Deus que se fez carne, assumindo a nossa natureza sem a marca do pecado, porque era sem pecado a mãe que Lhe deu a humanidade, não Lhe transmitindo, assim, a pecadora condição, pois que a Deus não cabe o ser pecado.

Sem as limitações e imperfeições do pecado, Maria ama Deus e as criaturas com um tão perfeito amor quanto é possível amar. Ora, se nós, pelas condições limitadas e incapacitante que temos, não podemos amar nem acolher o amor de forma perfeita, também estamos limitados na compreensão do amor com que os corações de Jesus e Maria se amam entre si e nos amam a nós. "Perceber" e sentir o amor de Deus, em Jesus, e de Maria pressupões predisposição e capacidade interior e pessoal. Essa capacidade e predisposição acontecem tanto, e tão intensamente, quanto mais acontecer amor em nós, sendo que mais amor mais capacita e predispõe a pessoa para ser amada, receber amor,  e o ser amada capacita-a e predispõe-na mais para amar.

Como em efeito bola de neve, quanto mais se ama mais se é amado e quanto mais se é amado mais se ama... Falta-nos sempre amar mais.

sábado, 1 de maio de 2021

Dizer MÃE

Não sei se sim se não, mas acredito, não faz mal se estiver enganado, que a realidade expressa pela nossa palavra “Mãe” será a mais pronunciada à face da terra.

Balbucia-se quando ainda não se diz mais nada nem se sabe a lógica do pensar ou sequer o significado do “mamã” que que se solta dos lábios tenros da criança de berço. Os braços da mãe são o berço que se molda para, em simultâneo, aconchegar, aquecer e amar o filho que, em momentos de desconforto corre e se aninha, porque é ninho também, no abraço dos braços da mãe. Ela está lá, primeiro que o pai, no coração e na mente do filho, porque ela gerou e em dores á luz entregou esse ser frágil, pequenino, cujas feridas um beijo de mãe sabe curar, porque o amor também cura. Cura as feridas do medo e da incerteza, faz brilhar a noite da dor no beijo que a mãe dá, por mais nada, só por amor.

Só a mãe tem um corpo todo ouvidos, que ouve o chamar irritado de um filho, como ouve o silêncio de um olhar e a lágrima invisível que corta o coração do filho até atingir e ferir o da mãe, só porque o coração dela nunca se conseguiu desprender, um pedaço sequer, do filho que é dela e que ela deu, oferecendo-o, ao mundo, sem nunca deixar de ser escudo e de as dores e aflições aparar. É forte o pai, e herói, mas… é sensível, compreensiva e dos problemas solução, a mãe.

Não é mãe o monstro que vive tão escondido e embrenhado no corpo da mulher que, por vontade e querer seus, ousa destruir-se quando mata um filho, grande que seja ou embrião que ainda não se veja… Perde, mas não sabe o que perde, toda a vida que se aperta no abraço, mais de amor que de força feito, de um filho que diz “amo-te” e deixa cair uma lágrima quente de emoção só porque um abraço não pode dizer tudo. Não pode saber o que é viver aquela que, por querer, um filho mata e não deixa nascer.

Continua a ter a força e o peso do mundo a palavra “mãe” quando, no silêncio que rodeia uma alma esmagada pela dor ou a saudade, se diz a meia voz e ninguém ouve, ninguém, mais ninguém, senão aquela que é nossa mãe e que Deus já levou para Si.

Gratidão já, na palavra, no gesto, no agir, é o menos que pode fazer um filho por tudo o que de visível e invisível a mãe fez, ou faz, por ele. Vezes sem conta, o ato de gratidão vem mais depois da morte que durante a vida. É tarde, muito tarde, para a mãe e para o filho, porque, se a vida que na mãe se dá cresce na medida da dádiva, a gratidão que o filho dá, preenche a vida de ambos e não morre nunca, por ser princípio de eternidade.