segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Limpando o Pó

Devagar, muito devagarinho e sem que alguém se dê conta. Percebe-se quando a luz do sol bate de feição, ou quando um dedo passa e a passagem deixa marca. O pó, esse permanente infiltrado, a exigir que frequentemente se passe o pano, se se quer que não se acumule e entranhe de vez a deixar marca não de pó mas de real sujidade. Pó não é imundície mas nela pode transformar-se.

"Não tenho pecados" é expressão  de adolescente que, sem nada fazer, garante à mãe que "a prateleira não té pó". Estamos em Quaresma, e não ter pecados é o caminho mais seguro e certo para que as falhas, os "pequenos" pecados se vão acumulando na alma e ainda que se não transformem e imundície de pecado grave, abrem-lhe caminho e estendem-lhe a passadeira por forma a que possa entrar tranquilamente e a instalar-se na alma e na vida sem ser notado.

O pó cria habituação, não se vê, e quando nele se vive até o asseio mete impressão. O corpo adapta-se e a mente vai-lhe no encalço. Claro que se fica com a sensação, certa, de que os demais não se adaptam àquele que é o nosso pó, o nosso lixo, o que leva a que nos vamos isolando no nosso mundo e fechando-nos num ambiente se sujidade onde crescem vermes que corroem e nos impedem de ver o bem e a harmonia do que está realmente limpo.

O pecado cria habituação, não se vê, e quando nele se vive até a santidade mete impressão. Corpo e mente adaptam-se e a alma retorce-se de inquietação interior, porque não se adapta, o Espírito geme interiormente e move a pessoa para o bem, confiando-a à sua liberdade pessoal para que possa optar pelo pecado ou pela Graça.

O pecado, ainda que leve, vai fragilizando a ação da graça que Deus oferece e derrama sobre cada um de seus filhos, e o mal grassa sempre mais na vida do pecador. Naturalmente, a vida não é feita só de pecados, também momentos bons, frutos do acolhimento dos dons de Deus. Esses são momentos de graça que destroem o mal que se vem impondo. Diria que são panos que limpam o pó do pecado instalado na alma e na vida.

Sejam mais os momentos, as ocasiões, purificadores, mas não fique por fazer uma limpeza geral, sempre que se sinta ser necessária, para que o "pó" não ofusque o brilho da alma. 

sábado, 10 de fevereiro de 2018

O outro lado do jejum

Já percebemos como o "tempo corre" e como, de um momento para o outro, vão chegando os tempos marcantes da vida litúrgica da Igreja. Está aí a Páscoa e com ela o tempo de preparação que lhe é inerente: a Quaresma.

A muitos não diz nada, a outros pouco mais que nada, consoante a formação e o espírito cristão de que se está marcado. Talvez a olhemos apenas como tempo  de jejum e abstinência. São tão poucos os dias a que a isso somos convidados e tão camuflados na exigência de os viver, que se diluem facilmente em desculpas e justificações para serem esquecidos.

Jejum é "comer menos", e abstinência o "não comer carne", por forma a poupar um pouco para partilhar com aqueles a quem falta o essencial para sobreviver. Ameniza-se o desagradável da questão, o não comer o quanto, ou o que, o mero prazer pede, com desculpas de que "o importante é...". 

O certo é que jejum é não comer (comer menos) e a abstinência é o não consumir aquilo que dá mais gosto e prazer. Porquê? Se for só porque sim, não tem grande resultado, se for porque se poupa para oferecer, é bom, mas se for por (e para) uma tomada de consciência de que não vivemos para comer, nem para o prazer, é muito bom e dá todo o sentido ao que possamos fazer.
O comer e o prazer fazem parte do bem viver, mas não deveriam, por motivo algum, ocupar a meta do viver nem o meio de a alcançar.

Sentir "fome" e desejo de alguma coisa que me sacie e console e dela abdicar com consciência e vontade, leva-me a pensar que sou espiritual também; filho de Deus; que Nele tenho origem e fim; que Ele se fez, para mim, caminho verdade e vida; que sou apenas uma pequena criatura a fazer caminho, atraída para a eternidade. Abdicar de mim mesmo para que Deus ocupe o centro do meu ser.

Vivendo e gozando tudo em função do tempo e da matéria que sou, limito-me completamente ao pouco tempo que viver e ao querer encher-me do engano de vida que julgo ter. Vivendo e gozando tudo em função da eternidade e da vida do Espírito de que, pelo batismo e por graça de Deus, participo, limitar-me-ei a olhar-me como dependente de Deus e dos outros para me encher de real Vida a que sou chamado e que só depende do caminho que, por livre opção, escolher.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Misericórdia - Pobreza - Comunidade

Não, não olhemos a imagem assim como nos parece, mas como ela é...

A igreja do Carmelo tornou-se pequena para acolher todos aqueles que acorreram para participar na celebração de Profissão de votos perpétuos da Irmã Emília Maria da santíssima Trindade. Pensei no que pedem e aceitam as irmãs para se consagrarem a Deus: misericórdia, pobreza e comunidade.

Que o Senhor seja misericordioso diante da fragilidade humana, tão propensa ao pecado, que se manifesta nas mais pequenas coisas. O pecado não tem que ser grave para ser recusa de Deus e deixar suas marcas na pessoa.

Pobreza, que se manifesta no deixar para trás tudo aquilo, por pequeno que seja, que é impedimento ao estar com Deus e em Deus, a começar no abdicar de si mesma para acolher a vontade de Deus, que se manifesta na pessoa da madre. Pobreza que é verdadeiro morrer para si mesma, para ser só de Deus.
Comunidade na qual caminhe com as demais irmãs no sentido da santidade. Porque ninguém se santifica sozinho, mas em comunhão, em igreja.

Que pedem senão aquilo que pediram e a que se comprometeram, elas e cada um de nós, no batismo. Nele, por pura misericórdia divina, recebemos a graça do perdão do pecado original. Nele nos comprometemos, recusando o príncipe do mundo e as suas seduções, a uma aceitação e entrega total a Deus, fazendo-nos verdadeiramente pobres para nos enchermos só de Deus. Nele somos acolhidos e nos integramos numa comunidade, a comunidade dos filhos de Deus, a Igreja, para nela caminharmos e nos santificarmos.

Vivemos esta consagração com diferente intensidade, cada um a seu modo e segundo o chamamento que sente de Deus. Não estranhemos no entanto que mulheres e homens, escolhidos e chamados por Deus, a Ele se consagrem totalmente, retirando-se do mundo não como fuga, mas para uma maior e mais sublime entrega de si, buscando a glória de Deus e oferecendo-se pela santificação daqueles que no mundo continuam a buscar caminhos de santificação.

Não, não olhemos a imagem assim como nos parece, mas como ela é... a entrega à clausura não é fechar-se mas abrir-se a Deus e ao mundo pela entrega pessoal. E não é verdade que quem vive em clausura não pode sair, nós é que não podemos entrar, porque não entendemos, porque o mundano não entende. Quem está, está porque assim o escolheu, e é, geralmente, de "invejar" sua felicidade.