quarta-feira, 9 de maio de 2018

Simplesmente Mãe

Era já mãe de uma menina. Pequenina, rosto de boneca, gestos meigos e olhar terno. Era a vida e a razão de viver da mãe. Uma doença levá-la-ia à morte se lhe não fosse doado um órgão vital. Só um irmão a salvaria. Os pais decidiram e a mãe gerou. Desta vez era um menino. Aos 18 meses tiraram-lhe um pouco de si, para salvar a irmã. Mas ele não resistiu e deu-se todo, até o sorriso que lhe ficou seguro nos lábios quando morreu.

A menina, essa, cresceu confiante e bela. Foi, sempre foi, o encanto da mãe. Mas a mãe tinha perdido um bom pedaço da sua vida, quando, nos braços, lhe morreu o menino para dar vida à irmã, ainda menina a esse tempo.

A mãe viveu a sua vida a meio tempo porque o outro meio tinha parado no seu menino. A menina cresceu cheia de vida. Quase cheia, porque, no intuito de viver tudo, uma parte dela era ingratidão. Vivia uma vida que lhe fora dada, sem entender que não viveria de outro modo, sendo que assim, se diria que a vida não era sua mas de um irmão, pequenino, que morreu para ela viver.

E a mãe, cada dia, vivia muito por ver a filha crescer e sentir-se feliz, mas cada dia aquela mãe deixava de viver um pouco por perceber que parte do ser daquela sua filha era aparência, não correspondia totalmente à verdade do seu ser. No fundo, não era verdadeira vida. Mas, sabia também que um filho seu era agora, ela tinha  bem certa a certeza, um anjo a velar no Céu, o Céu da vida, onde nada há que não seja felicidade.

E a mãe reza e pensa e lança pequenos sinais de alerta à filha, para que, sem lhe coarctar a liberdade, ela se dê conta e seja grata e veja que a vida não é para ser simplesmente gozada, mas vivida com intensa precaução porque tem o preço da vida de um filho, um filho seu, e dela um irmão.

E a chora lágrimas invisíveis por a ver morrer muito devagarinho numa vida de aparente gozo de felicidade, numa ilusão que só vive quem não sabe ser mãe e ser pai e ser irmão que dá vida.
E a Mãe chora e sofre quanto é possível chorar e sofrer, por ver que uma filha sua se pode perder da Vida, num mundo de morte, já quase pedido. Teme que entre num ponto sem ter volta a dar.

Ser Mãe é ser vida. Não sabe ser mãe quem não sabe a vida ser e dar.    (06-05-18)