... saiu com uma alegria semi-contida, eu diria,
mais interior que exterior: pensamentos e sentimentos tristes numa mistura de
alegria por saber que não tinha embarcado na ideia de dinheiro fácil que o
homem gordo e feio do jornal lhe havia, aparentemente, mostrado.
O dia iria ser longo, muito longo
mesmo, na história dos anos futuros. Não tinha ainda virado a esquina do café.
Depois de ter levantado o braço para saudar alguém que passava de carro e lhe
tinha feito o mesmo, sem que ele tivesse tido tempo de saber quem era, viu uma
sua prima caminhando em direcção a ele.
Sem que pudesse controlá-lo, um
arrepio gelado percorreu-lhe o corpo de alto abaixo. Ao vê-la, percebeu que
alguma coisa de diferente se passava, aquele não era o sentimento normal que
tinha quando a via, conheciam-se muito bem, ou não tivessem eles crescido a
partilhar uma amizade séria e bela.
Interrogando-se, caminhou em sua
direcção.
Ao perceber nela um olhar fundo e frio
e a ausência do sorriso que, usualmente, lhe transborda do rosto, o coração
apertou-se-lhe no peito: inevitavelmente, aquele seria um momento dramático.
Sem perceber ainda porquê, recebeu o abraço da prima e acolheu-lhe as
lágrimas com o ombro, esse a que se
chama de ombro amigo.
Da boca não saiam as palavras e ela
ficou ali, num abraço parado, buscando forças para dizer o que tinha que ser
dito, mas que lhe tinha também bloqueado a voz. Afastou-se para o olhar nos
olhos. Ainda de rosto pesado fixando o chão, como se não quisesse que ele visse
que chorava, passou os dedos das mãos pelos olhos e pelo rosto para limpar as
lágrimas que caiam teimosas.
Olhar vermelho, não de ódio, porque
esse só os maquiavélicos o conseguem alcançar, mas de tristeza e medo. Olhou-o,
respirou fundo para ir buscar as palavras lá bem no fundo do peito, e
carregando-as de força para que não se ficassem pelo caminho. “O teu pai...”
disse ela em sufoco. Mais nada saiu, apenas novo abraço um soluço sonoro e
lágrimas. “Morreu?” perguntou ele com uma certeza absoluta de que era
verdade. Sentiu o queixo dela no seu
ombro dizer sim num abanar lento de cabeça porque as palavras voltaram a não
sair.
Ele era filho e ela era como se o
fosse também. Muito do tempo e muitas das histórias da sua infância tinham sido
passadas em casa dos tios, nas brincadeiras com os primos, em algaraviada de
pôr os nervos em franja a quem deles se ocupava. Percebia, agora que grande
parte da sua vida fora passada ali, por isso sentia que com a morte do tio lhe
morria um pai.
O silêncio tornou-se sepulcral. Só o
fungar de narizes entupidos se fazia ouvir.
Sem palavra, lado a lado, caminharam rumo a casa. Era estranho, muito
estranho, aqueles dois estarem juntos em silêncio.
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