domingo, 25 de dezembro de 2022

O Céu na Terra

Se Maria é uma nova criatura e por Ela se inicia uma nova criação, com o nascimento de Jesus alcança-se aquilo que está muito para além do pensável ou mesmo do imaginável. O divino e o humano unem-se numa pessoa. É de tal intensidade esta união que as duas naturezas, humana e divina, atuam como uma só. Diga-se assim, com toda a verdade, que Deus vive na terra. Mais ainda, que Deus fez a sua morada não entre nós, mas em nós. No agir de Jesus a
natureza humana age em Deus e a natureza divina age na humanidade, não a partir de fora uma da outra, mas numa união tão profunda, que a ação de Deus é ação humana e a humana é ação divina.

Pensemos, então, que a humanidade, em Jesus, ainda mais do que em Maria, atua em plena conformidade com a vontade divina (veremos que até à sua entrega pessoal na Paixão). Na plena  comunhão com a divindade, o Homem é fiel a Deus. Porquê? Precisamente porque nele atua Deus, sem que tenha espaço a ação pecadora.  Assim, Deus salva a humanidade. Só Ele poderia salvar-nos, exigindo de nós, naturalmente, plena aceitação da sua vontade. Ora, tal não podia acontecer na nossa natureza marcada pelo pecado.

Reconciliada com o Pai, a obra da Criação recupera o paraíso de onde, por pecado, havia sido expulsa. Impõe-se, naturalmente, uma atitude de aceitação e acolhimento por parte, não da humanidade em geral, mas pessoa, de cada um, precisamente porque Deus salva cada um na sua individualidade, não na generalidade. 

Não valerá de nada que o Natal seja celebrado como festividade familiar ou mesmo de celebração do nascimento do Menino Deus, se esse nascer não acontece no interior, na vida, de cada um. Haja a certeza, também, de que tal nascimento na vida não parte de imposição exterior, mas de uma vontade e opção pessoal, que parte de dentro, da vontade livre de cada um.  


sábado, 24 de dezembro de 2022

Nova Humanidade

 

Se em Maria, Deus "refaz" a obra da criação, sem deixar perder aquela que pelo pecado se havia desviado da vida para que fora criada, ganha uma nova esperança a nossa existência.

Desde o início, Deus manifestou a certeza de que a cabeça do Tentador havia de ser esmagada. Não se sabia o como, mas havia a certeza dada por Deus. A Conceição Imaculada de Maria é derrota do Mal e vitória do Bem, pois, ainda que sem se saber, a Mulher, aquela cuja descendência havia de sair vitoriosa sobre o poder do demónio, estava já a operar a sua maternidade ansiando que o salvador viesse. A vontade de Maria é a vontade de Deus, o atuar de Maria é atuar de Deus, pois que Ela em tudo vive a vontade divina.

A oração de Maria, a criatura perfeita, é escutada por Deus, que não pode deixar de ouvir e atender Aquela que preparara para ser sua Mãe. Compreendamos, assim, que ainda antes de Jesus incarnar e nascer, os méritos da sua Encarnação estavam já presentes: foi em vista dessa realidade que Maria foi isenta do pecado original. Assim, e porque era perfeita a comunhão entre Deus e Maria, já a humanidade beneficiava amplamente de graças divinas, já a cabeça da "serpente" estava a ser esmagada.

Temos duas realidades em simultâneo. Por um lado, está e caminha na sua
história a humanidade pecadora, perdida pelo pecado, embora não
plenamente, pois não foi abandonada por Deus, e há em si um permanente desejo de Eternidade. Por outro lado, está a humanidade santa, verdadeira imagem e semelhança de Deus, pela qual há de ser redimida a humanidade pecadora.

Sem disso ter consciência, maria era a Eleita do Pai para dar humanidade ao Filho. Conscientes disso ou não, nós batizados, somos chamados, amados, escolhidos e enviados para, em santidade, gerarmos e oferecermos Jesus ao mundo, não apenas o Menino Deus, mas o Cristo Ressuscitado.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Uma Nova Criação

Imagem e semelhança de Deus, assim foi a criação do ser humano. Essa  obra, a mais bela da Criação, caiu por terra quando cedeu à tentação do Maligno. O seu lugar no paraíso foi-lhe retirado, a humanidade passou a ser posse do Mal e a marca, o pecado, ficou para não mais acabar. Todos os humanos nasceram com esse defeito de origem. 

Deus não abandona obra criada, muito menos aquela peça que era imagem e semelhança sua, ainda que com a marca do pecado. É preciso reparar esta brecha que marca cada um de nós. Ao jeito de um pai, um pai de verdade, deus decide "começar de novo", refazendo a obra original, partindo do princípio.

Celebrámos, há dias, a Imaculada Conceição de Maria. Ela é a obra original da nova Criação. É ainda mais excelsa que a primeira, pois não permitir, nunca, que o pecado A atinja. A par com a obra antiga, está a gerar-se uma nova obra. Maria, Verdadeira imagem e semelhança de Deus, tem, por graça divina, uma missão impensável e impossível para a humana natureza: ser Mãe de Deus. Como poderá isso ser possível? Ação misericordiosa de Deus.

É de tal alcance a misericórdia de Deus que não põe de lado a humanidade manchada pelo pecado, mas Ele mesmo vem para, numa mulher (A Mulher) se fazer homem, assumindo a nossa natureza de modo a poder salvar-nos. Não se deitou fora o que não prestava, reparou-se (o próprio Criador o fez) o que estava "irremediavelmente" perdido e deu-se-lhe nova dimensão, que eu digo ser ainda mais excelsa que a primeira. Das criaturas pecadoras, Deus, por dom gratuito, fez filhos seus. De peças com defeito, Deus fez Filhos, únicos, originais. Sem nos retirar a liberdade que leva em si a marca da possibilidade do pecado, este Pai confia em nós sempre e até ao momento último da nossa existência. Não confia como ainda se dá, no Espírito Santo, para ser guia e força que nos faz permanecer no caminho da Graça.

sábado, 26 de novembro de 2022

Jesus - Único Sentido

 A vida é uma permanente expetativa. Vivemos cada momento presente com o pensamento que há de vir, no que há de acontecer, no que será o dia de amanhã, o futuro. 

Damos, hoje, início ao Advento, que é preparação para a chegada d'Aquele que há de vir. O Natal acontecerá tanto quanto, e só na medida em que, estivermos interiormente preparados, dispostos a deixar Jesus nascer. Sim, Ele faz-se presente dentro, não fora de nós. O tê-l'O na vida fará que seja levado a quem de nós se aproximar.

É muito grande o anseio de que tudo, as coisas e as pessoas, mude. A transformação acelerada em que a nossa sociedade está submersa, mostra a necessidade que temos de transformação e mudança. Mudam-se os valores, a conceção das coisas e dos acontecimentos, passando a ser bom e normal o que era impensável que alguma vez o fosse. Esta alteração do sentido e do valor das realidades está a fazer-nos perder o caminho: buscamos algo que queremos, mas, desvirtuando a verdade das coisas e das pessoas, nunca encontraremos a verdade de nós mesmos e, assim, nunca encontraremos a satisfação que saciar-nos. Antes, quanto mais   nos desviarmos do reto caminho, mais insatisfeitos nos encontraremos e mais quereremos transformar até chegarmos a um beco sem saída e tudo, até a vida, perderá sentido.

O Advento é o tempo propício para que se inicie a verdadeira transformação, aquela que nos leve ao encontro pessoal com Cristo, aquele que é a origem, a fonte e o sentido da vida. Precisamos convencer-nos de que Ele é o Homem, a que só Ele viveu plenamente o ser pessoa. Para além do mais, Ele é Deus. As duas naturezas, humana e divina, unem-se e existem numa só pessoa. As duas  dimensões, material e espiritual, coexistindo num único ser são a mais perfeita das comunhões. Só Ele, entendemos isso, é caminho, verdade e vida, sendo que só Ele dá sentido e razão de ser ao passado, ao presente e ao futuro.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

"À Minha Maneira"

 Um Deus à nossa maneira, à nossa semelhança. É convicção bastante generalizada a de que Deus "construção humana" para tentar apaziguar, explicar e justificar o nosso modo de ser. Um Deus "construído" é inexistente, se o é, não tem razão de ser o acreditar Nele. Justificamo-nos com esta ideia quando não acreditamos ou não buscamos razões para acreditar.

A fé é dom e é caminhada pessoal. Para quem acredita, é bom sentir e ver quando há realmente, questionamento acerca de Deus. Esse é sinal de que, ao menos, há uma relação de dúvida e, ainda que seja de dúvida, há uma relação com Deus, possibilitando o encontro pessoal com ele. Sim, porque, ou há encontro pessoal, ou nunca se encontrará de facto.

Olhando as coisas em perspetiva diferente, e se acreditamos, há em nós a convicta certeza de que, nós sim, somos imagem e semelhança de Deus, por Ele assim criados. Porquê e para quê imagem e semelhança de Deus? Precisamente para participarmos da sua ontologia (o seu ser). Fomos criados para participarmos do ser de Deus e, assim. Ele poder partilhar connosco, criaturas, aquilo que Ele é, a vida e a glória que há Nele. Complicando a linguagem, em Deus não nada, haver é acrescentar alguma coisa. Deus é vida, luz, beleza, bondade (bem)... não é morte, escuridão, fealdade, maldade... estas características não existem por si, são ausência dos seus opostos. Entenda-se: a pessoa, em si, não é feia, o que ela não é, é bela (há nela ausência de beleza), e aqui aplica-se em todos os sentidos. 

Ora, a nossa participação no ser de Deus, participação que, depois do pecado, acontece pelo batismo, faz de nós pessoas de esperança e enche de sentido a vida que somos e vivemos, precisamente porque existimos não em função de nós ou de uma passagem, mais ou menos breve, pela vida, mas, porque vivemos em função da eternidade em Deus.

Sabendo-nos participação de Deus, não queremos nem exigimos explicações, somos felizes "porque sim", porque somos de Deus e vivemos em função dele. Tudo tem sentido, até a cruz se enche dele.

domingo, 16 de janeiro de 2022

Ébrios de Deus

 

Um casamento com vinho novo e bom, vindo da água simples, boa, mas sem sabor. Jesus está lá. Santifica o ato do matrimónio e a alegria da festa. Uma mãe solícita percebe que falta o que dá sentido à festa, o vinho. Recorre a quem pode alguma coisa fazer, o Filho. Ainda não tinha chegado a sua hora. Deus tem horas, tem o seu "tempo", a Eternidade que se manifesta no nosso tempo. Maria entende esse tempo. Conhece perfeitamente o Filho. Dá instruções aos serventes, aqueles que O servem. "Fazei tudo o que Ele vos disser".

Famílias sem o "vinho da alegria". A viver na solidão da pressa, nos tempos que a agenda marca; no correr para chegar e estar em todo o lado, sem tempo para um olhar longo que manifeste comunhão. Perdidos, cada um, nas suas coisas, sem tempo para celebrar, para beber um copo. E o tempo de Deus já chegou, porque o seu tempo é o presente. A água transformou-se em vinho, a morte foi vencida pela vida, o vinho novo está ao alcance dos que o querem, dos que, provando-o, percebem que "é o melhor" e não deixam de o querer sempre. Uma Mãe solícita está presente, atenta sempre a uns e a outros, os que têm na mão a taça do vinho bom, mas o seu olhar e preocupação fixa-se naqueles que levam na mão a taça de amargura do vinho velho e amargo. Chama-os à festa das bodas de Cristo com a Sua Igreja, naquele apelo: "Fazei tudo o que Ele vos disser".

"Fazei tudo o que Ele vos disser" são as últimas palavras que a Escritura Sagrada nos deixa de Maria. Todas as que disse depois foram dignas de ser escutadas, porque a Mãe não diz palavras em vão, mas é com aquelas que o Pai quer que fiquemos em mente. Somos os serventes, servidores à mesa da Palavra, à mesa do testemunho, à mesa do serviço, chamados a deixarmo-nos inebriar pelo "vinho bom" e a sermos portadores de taças cheias, que brilhem aos olhos do mundo e embebam a vida de cada um dos seres humanos. Todos são chamados à festa, ao banquete. Distraídos com o brilhar das taças do terrenas, muitos não atenderemos o "Fazei tudo o que Ele vos disser".