Umas braçadas na água. A água fria arrepiou-o por
momentos. Água parada num tom de cor cinzento-azulado. Muitas vezes ali
havia tomado banho e naquele momento recordou muitos dos momentos de pura
felicidade que as gargalhadas de criança que pareciam continuar ali
perpetuando-se no tempo.
Entrou dentro da água o mais que pôde e deixou que o
corpo aliviado do stress subisse à tona e amortecido ali se manteve. Os olhos
fechados e a respiração funda encheram de oxigénio e felicidade o sangue e o
espírito. Desejou, nesse momento, transformar-se em nada ou em água e deixar
que uma onda o transferisse sem tempo para o outro mundo.
Encheu, forte, os pulmões e aliviou-os da pressão
esvaziando-os lentamente meditando no seu sonho. Esboçou um sorriso ao pensar
no sonho americano, o dele, que era tão diferente do das histórias de cowboys
que na adolescência devorara. Simplesmente queria estar perto da pessoa que
insistia em lhe invadir a mente e o coração. Abriu os olhos e voltou a
cerrá-los porque o sol os inundara de luz directa.
Saiu da água, deixou-se secar por momentos, ansioso
por que a água se evaporasse quanto antes, não fosse chegar alguém e o
encontrasse ali praticamente nu. Sabia que sendo feriado alguém poderia ter
escolhido aquele espaço para passear à beira rio. O sol foi generoso e enxugou-o
num ápice.
Sentia-se pairar de felicidade. O amor era isso mesmo,
pensava, estar longe de quem se ama mas não deixar de viver cada momento de
coração palpitante. Amar exige morte de si mesmo para que a pessoa
amada possa sentir-se livre para fazer escolhas, para crescer, para fazer
caminho, mas sentindo-se sempre protegida por um escudo invisível e de alta
segurança, a energia positiva a que se chama amor. O sentido da palavra tão
pronunciada e banalizada, hoje em dia, despe-se completamente de sentido de
cada vez que quem julga amar se busca mais a sim mesmo, aos seus desejos,
apetites e vontades, que ao outro. É por isso que o amor não se faz mas se
constrói e se vive: se constrói subindo, degrau a degrau, as escadas de encanto
ou desencanto, apoiando-se sempre na certeza de se viver para o
outro e por causa dele. Hoje sabia-se consciente de que amava
verdadeiramente.
Desembrulhou algumas das memórias na sua mente
guardadas e viu a diferença do que agora sentia e de tantas outras vezes em que
disse amar, mais sentindo prazer na voz, no olhar e no corpo, de algumas outras
mulheres, que no querer que elas fossem livres e caminhassem com ele, a seu
lado, não como ele queria.
Sentiu-se despida por um olhar indiscreto. Rangeu os
dentes. Pegou o livro…
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