Voltou-se e viu atrás de si, um homem
enorme, fardado, e percebeu uma voz que dizia “are you crazy”?. Pensou: “estou
feita”.. Mas que é que foi”? Num inglês de americano zangado, o polícia
manifesta bem a insensatez que ela estava a cometer ao atravessar uma
passadeira com semáforo vermelho para peões. Tinha consciência de que de nada
lhe valeria a pena estar a tentar explicações.
Aquele homem, mal encarado e a debitar
“perdigotos” da boca à mistura com um linguajar stressado, dava bem a entender
que não havia lugar para qualquer tipo de desculpas. Ainda disse, para não
ficar calada, que por distracção, não tinha reparado, mas não se livrava de uma
multa, que acolheu com um simpático “I’m sorry”.
Esperou, ao lado do americano, que o
sinal passasse a verde e, de porte elevado e nariz alçado, em jeito de humor, atravessou
a rua muito direitinha enquanto sorria e pensava “tinha-me feito jeito a oferta
do galã da ponte. Vai bem o dia: um que, fazendo-se ao piso, me oferece mundos
e fundos e outro que, logo a seguir, me tira algum do pouco que vou tendo.
Estes gajos não existem”.
Continuou, passeio a cima. O telefone
que toca. Pára e procura-o na bolsa. O medo de perder a chamada sem sequer ver de
quem era fá-la mexer rapidamente todas as coisas.
Reinicia a caminhada e prime a tecla
verde do telemóvel. Um encontrão no braço de alguém deixa-a parada e a rir-se:
mais um americano, agora um com uma caixinha de comida “fast food” na mão e,
certamente, tão distraído como ela. “Já não se fazem americanos como os
portugueses” disse ela para o telefone, sentindo a saudade entrar-lhe na alma.
Do outro lado do oceano escutou um
“que é que se passa?” e viu, sem ver com
o olhar, um sorriso aberto e cheio de ternura. “não importa, nada de jeito, só
me interessa que te estou a ouvir”. Parou. Encostou-se ao mastro da bandeira de
Portugal no Rockfeller Center e deixou-se encantar pela voz e pela conversa.
Uma criança que cai na pista de gelo, umas gargalhadas silenciosas e uma mão de
mãe que a levanta para que continue a patinar naquele pedaço de gelo
artificial.
Uma paz que desliza lenta e profunda
pela alma e se transmite ao corpo vai-se apoderando dela. Uma lágrima furtiva
que sai e a tecla vermelha premida. Uma chamada desligada. Um beijo no
telefone. Um coração cheio e uma paz divina que sente dentro de si.
Está em Nova York, a cidade que não
dorme. Milhões de pessoas stressadas e impacientes que não reparam nela, que
não sabem o que é ter paz interior e sentir-se amado e amar de verdade, e “é
tão bom!”, pensa.
Cai a noite.
Um dos milhares de sem-abrigo que rastejam pela vida, está ali…
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