A
pergunta instalou-se e, teimosamente,
foi-se-lhe aflorando ao pensamento, como se tivesse vida e não quisesse ser
esquecida. Em jeito de quem exige uma resposta, insistia em não abandonar o seu
pensamento. “Que estou eu a fazer da minha vida?”, era a mensagem que pesava em
sua mente quando se sentou no sofá, desligou a televisão e fechou os olhos para
pensar.
Deslizando
como fantasmas, as memórias do passado dançaram-lhe em confuso movimento de
fuga rápida. Por momentos, algumas delas paravam e o rosto da Ninfa manifestava
o que lhe diziam, mais exactamente, o que lhe faziam recordar: sorrisos
espontâneos e claros, bem como tristes tensões de face, e até mesmo algumas
furtivas lágrimas.
O
tempo passou e o filme da sua vida continuava a ser-lhe projectado por dentro:
as traquinices com direito a umas palmadas duras por parte da mãe; as maçãs
roubadas e as fugas de quem não quer ser visto, muito menos apanhado; as
vinganças de criança sentida e magoada; os temas tabu, que nem o silêncio
barulhento da mente fechada em si mesma permitia que viessem muito à baila; a
presença da mãe e a compreensão magoada do pai, quando se viu metida em apuros;
os sem-abrigo de Nova York ou de Lisboa… tudo foi ocasião para crescer e ser
hoje a mulher que é.
Sabia-se
forte, sensível, decidida e palpitante de vida. Tinha consciência também de que
muito do tempo da sua vida havia sido passado, mesmo desperdiçado, em coisas
fúteis, vãs ou simplesmente menos essenciais, acabando, em muitas delas, por se sentir vazia e pouco satisfeita
consigo própria.
Tinha
a impressão, quase pura, de que muitas correrias de lado para lado, muitos
desejos de querer chegar lá bem longe, muita vontade de querer chegar depressa,
a tinham feito caminhar mais ou menos sozinha, embora o barulho que ouvia de
tanta outra gente a “correr” da mesma forma, lhe transmitisse a ilusão de que
corria num pelotão de inúmeros corredores que buscam a vitória.
Os minutos longos, muito longos, que
passou de olhos cerrados, absorta de tudo o mais, sentada no sofá a desfolhar a
vida dos anos idos, deixaram-na mais leve, parecia, agora, ter pequenas asas e
respirar um ar diferente, mas puro. Tinha escutado, tinha-se escutado a si
mesma e à voz que, não sabe de onde, parecia fazer-se ouvir dentro de si.
A noite ia já adiantada, mas as luzes
da rua criavam a ilusão de um dia quase de sol. Pegou numa bolsa com documentos
e num pedaço de ar, ar que inspirou profundamente, e saiu para a rua e para o
mundo..
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