Acompanhava-a a
solidão, uma solidão desejada e querida. Saiu simplesmente para observar e
pensar. Pelo caminho viu gente agitada e apressada, jovens barulhentos em
grupo, gente cansada de trabalho, homens e mulheres a rir, gente de gravata e ricamente vestida,
homens e mulheres vestidos de trapos e despidos de dignidade.
Dentro do
mundo que é a cidade Nova Iorque, uma portuguesa caminha na noite, nunca saíra
de casa tão tarde desde que estava nos EUA, e mede com o pensamento tudo o que
acontece à sua volta: enquanto se sente
feliz por se saber amada, mesmo num país longe do seu, das suas coisas e suas
gentes, pensa em quanta daquela gente que ali vive na noite se sentirá como
ela, imagina quanta daquela gente se sentirá ser simplesmente um corpo sem
alma, vazio de amor e distante de alguém que os ame!
Pais de
família agarrados pelo álcool, que, ao longo dos anos, lhes veio apodrecendo a
vontade de caminhar por sendas direitas. Jovens enganados pelo prazer que lhes
é ministrado em límpidos cálices de gozo instantâneo que não passa além de
ilusão de sentido. Crianças maltrapilhas agarradas ao nada dos contentores de
lixo em busca de um pedaço de pão.
Pensou no
mundo e na força dos dólares despejados
a “resmas” no mundo e no submundo da Broadway e de outros espaços de
barulho, luz, cor e prazer. Mundos e vidas a viver em lados opostos e a
roçar-se permanentemente por tão próximas se encontrarem.
“Porque é que
Deus permite que tal aconteça se é Pai e Bom?” A resposta resvalou para compreensões
de tempos passados quando, desde criança, ouviu dizer, vezes sem conta, que
livres é que fomos criados, o ser humano em geral, e cada pessoa em particular.
Livres para construir, mas com capacidade para destruir; livres para amar, mas
com capacidade para odiar; livres para oferecer a vida por um filho que chora
na noite do tempo ou da vida, mas com capacidade para recusar um filho que nasce ou pede pão; livres para
partilhar, mas com capacidade para o egoísmo.
Sentada a uma
das mesas de um dos restaurantes “fast-food” da estação, uma jovem limpa os
olhos com os dedos da mão com que segura a cabeça, como se quisesse estancar e
abafar as lágrimas amargas que insistiam em não parar.
A Ninfa
percebeu que era sofrimento real aquele. Tocada por uma força impulsiva, vinda, não sabe de onde, sentou-se
na cadeira diante dela e ficou, silenciosa, a olhá-la…
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