Vivia numa terra estranha, segundo os nossos
olhos podem ver e o pensamento pensar. Era um sítio lá longe, muito longe,
onde nem os foguetões grandes conseguem ir. Tão longe, que a luz do sol, um
sol mais bonito do que o nosso, nunca se apaga porque lá todos vivem sempre a
sorrir e não há luas que escondam o sol da vida das pessoas, nem zangas que
apaguem o brilho dos sorrisos, porque as pessoas são pequeninas por fora e
muito grandes por dentro.
O “S”, vamos chamar-lhe assim para falarmos
dele, porque lá, na terra onde vive, ninguém tem nome, porque não precisam de
ter nome pois não falam uns dos outros e todos se conhecem pelo brilho do
sorriso e pela cor do olhar. Sim porque o sorriso tem brilho e o olhar tem cor,
mesmo cá entre nós, por isso é que há sorrisos bonitos e feios e olhares que
que são uma coisa ou outra, também. O “S”,
estávamos a dizer, fechou os olhos, não
para descansar porque lá as pessoas não se cansam, para ver mais fundo. E viu.
Viu, lá longe, muito longe, uma bola grande dentro dos seus olhos pequeninos.
Era feita de sombra. Fechou mais os olhos e viu que afinal era de uma cor azul,
um azul bonito, mas nada tão bonito como o azul do olhar da sua irmã.
Fechou mais os olhos pequeninos e o olhar
levou-o a voar para aquela bola. Voou, voou e foi parar ao pé de uma árvore
grande, muito grande. Olhou para cima e achou que ela chegava até ao céu, e ele
sorriu porque era uma árvore toda cheia de luzes a acender e a apagar e ele
sorriu ainda mais porque na terra dele a luz nunca se apaga. Olhou à sua volta
e viu muita escuridão, era de noite e ele não sabia o que era a noite. Recuou
alguns passinhos e ficou debaixo da árvore que dava luz.
Olhou uma lâmpada pequenina. Ela brilhou e ele
perguntou e os dois falaram com palavras de luz: “Olá, que mundo é este?”. “É a
terra, o mundo dos humanos”. “Tão escuro!”. “Sim, nesta época acendem muitas
luzes, alguns, porque outros gostam mais de andar na escuridão”. “Mas porquê?”.
“Porque é Natal”. “E o que é o Natal?”. “Não sei, prenderam-me a estes fios
para segurarem a minha luz. Eu queria sair e descobrir o que é mas não posso”.
“Eu vou descobrir e depois passo para te contar”.
E o “S” saiu a querer encontrar e saber o que
era o Natal. Andou e perguntou, mas não
conseguiu perceber tudo. Continuou a andar dando passos muito rápidos com o
pensamento. E Disseram-lhe que o Natal, era tempo de alegria, e ele viu tantas
crianças sem o afeto de um pai e uma mãe; disseram-lhe que o Natal é paz e ele
viu maridos e esposa a discutir; disseram-lhe que o Natal é partilha de vida e
ele viu gente deitada nas ruas, sem nada, quase sem vida; disseram-lhe que o
natal é luz e ele viu os olhares escuros dos velhinhos tristes porque os filhos
se esqueceram deles sozinhos em casa; disseram-lhe que o Natal é o nascimento
de Deus e ele viu gente cheia de ódio e
ouviu dizer mal dos outros e ouviu músicas bonitas a sair de corações tristes,
e viu igrejas onde Deus estava sozinho; disseram-lhe que o natal é numa noite,
a noite mais mágica, e ele encontrou essa noite e sentiu-a a noite mais triste,
porque não viu gente nas ruas e viu jantares ricos e achou que o Natal ia
acabar quando acabassem os jantares.
E chorou, nessa noite. Chorou lágrimas de
tristeza, e ele só conhecia as lágrimas de alegria. E ficou mais triste porque
as lágrimas de tristeza sabem mal, porque são salgadas. E o vento, o vento que
se levantou ligeiro, trouxe-lhe um pedaço de papel e ele deitou-se em cima dele
porque estava cansado. Neste mundo as pessoas cansam-se. Adormeceu. As letras
pretas daquele papel, um pedaço de jornal, entraram-lhe na mente e ele leu uma
notícia, mesmo a dormir: “Jovem apresentadora de televisão, com 24 anos, morreu
de cancro, um mês depois de dar à luz, por se recusar a fazer quimioterapia
para não prejudicar o bebé”. Pensou que estava a sonhar, mas outra notícia
entrou a correr e interrompeu-lhe o pensamento: “Em Londres, jovem estudante
pede a um mendigo dinheiro para o autocarro e ele dá-lhe as 3 libras que
tinha”. E outras, e outras noticias que leu, deixaram-no a sorrir por dentro, mesmo
a dormir.
E acordou, acordou quando um raio de luz, do
sol da terra dos humanos, lhe aqueceu a vontade de correr, e correr ainda mais,
para ir contar à pequenina lâmpada presa na árvore de natal o que era realmente
o Natal. Mas ela estava sem luz, era dia, e ele percebeu que a luz só voltaria
a estar presa naquela lâmpada num próximo Natal, porque os humanos só pensam no
Natal quando é dezembro. Estava tão feliz que pediu à lâmpada que no próximo
ano dissesse à luz que ele iria voltar.
Sentiu um
afago de mão de mãe, daqueles que só as mães sabem dar. Abriu os olhos e naquele
mesmo instante estava lá na terra dele, lá muito longe, onde a luz do sol nunca
se apaga e as pessoas não têm nome e não falam das outras. Sorriu com o olhar e
disse: “Sabes mãe, encontrei o Natal da terra dos humanos, mas acho que muitos
deles ainda não o viram.
Natal de 2014
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