A noite é de muita, demasiada, azáfama. É noite de Natal e o
silêncio impõe-se nas ruas. Tudo parece deserto. Mas o barulho não deixou de
acontecer. Fechou-se dentro de portas, nas nossas casas, sentou-se à mesa e
escondeu-se em papéis de embrulho que quando são rasgados fazem explodir
expressões de gratidão, quem dera que não fosse falsa tantas vezes, para logo
terminar no silêncio do travesseiro, se a comida e a bebida foram com sentido.
É noite de Natal, noite em que Deus nasce se encontra corações
revestidos de acolhimento, como o foram as palhinhas de Belém. Não, não é a
celebração do aniversário de Jesus, embora muitos, cristãos mesmo, o pensem e
digam. É bom mesmo que não seja um simples aniversário, porque seria o mais
triste de todos, por ser o aniversário de alguém que é completamente esquecido
e atirado para fora da memória, da mente da grande maioria daqueles que,
supostamente, o celebram. Eu não quereria tal festa e acredito que Deus também
não.
Não foi por acaso que Deus se retirou do rebuliço da cidade,
da estalagem e mesmo de numerosa família, para nascer. Só assim o poderia fazer
em verdadeira festa e alegria, porque não foram humanos os cantares e as vozes
que celebraram, mas divinas as vozes e espirituais os cantores. Só os pobres,
os silenciosos da sociedade, nas pessoas dos pastores, aqueles que perante tal
boa notícia pasmaram sem conseguir falar e diante da visão do Salvador fizeram
nascer lágrimas de gratidão. Finalmente Deus veio salvar o seu povo.
A cidade continua em rebuliço, as estalagens empanturram-se
de barulhos de música e luz na mira de conseguirem lucrar. E Deus continua a
retirar-se para nascer, permanecer, crescer e viver, no silêncio. Não que não
possa estar na confusa agitação, mas porque só entra e está onde for convidado
e acolhido. A tal agitação e barulho interior preenchem tanto o coração que
transbordam para a alma, e uma alma sem recatado silêncio não ouve nem acolhe
Deus, porque Deus fala baixinho e atua em rumor, sem ressoar de tambores.
Talvez seja esta a noite para começar a fazer Natal, a
esvaziar corações, a preparar as palhinhas da humildade, da oração... para o
Menino nascer. (24-12-18)
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