Ela olhou-o bem fixamente nos olhos
aguardando com expectativa o que ele iria dizer. Ouviu-lhe sair da boca um
“Amo-te muito”.
Eram eles os únicos filhos daquele casal que, havia já muitos
anos, tinham vindo do norte, para se fixarem a trabalhar na periferia de
Lisboa.
Com a perspectiva da partida do irmão
atrás de amores virtuais e desenraizados da realidade da vida, ela sentia-se
aterrorizada com a ideia de ter que vir a cuidar sozinha do pai que,
entretanto, tinha já dado fortes sinais de estar a ser dominado pela debilitante
doença de Alzheimer.
Aquele abraço e o “amo-te” traziam a magia reconfortante
da certeza de que a família não se estava a esfarelar, pelo contrária, parecia
estar mais unida e solidificada na comunhão.
Depois, havia o bebé que estava para
nascer. Naquela momento, Raquel
sentia-se renascer, depois de atravessar longos dias de amarga solidão, em que
tudo parecia escurecer a partir de dentro, porque o coração teimava em perder
as suas forças.
Raquel riu-se e disse - parece que o menino acendeu uma grande lanterna
dentro de mim, sinto-me cheia de luz e apaixonada pela vida e por tudo o que
gira à minha volta. Vamos dizer aos pais que tu estás cá.
Falaram e riram pelo caminho, como
dois adolescentes apaixonados. “espero que não lhes dê nenhum chelique quando
te virem aqui - disse ela - para eles tu já partiste, e olha que estávamos
todos convencidos de que não voltarias tão depressa”. Deu-lhe um empurrão com
uma das mãos enquanto lhe chamava parvo.
Ele sabia que ela não poderia fugir a correr
por estar grávida de nove meses. Fingindo que lhe dava uma palmada por ela lhe
haver chamado parvo, passou-lhe o braço esquerdo pelos ombros e com a mão
direita, acariciou-lhe o ventre, fez cara séria para dizer “acho que não me ia
aguentar muitos dias longe de ti, do pai e da mãe... concordo contigo: fui mesmo
parvo ao pensar deixar-vos e ir em busca de alguém desconhecido. Como pude
pensar isso se tenho a minha mana barriguda que está sempre comigo?” Riram
satisfeitos e assim entraram em casa dos pais, a casa que era a sua também.
Sempre lá encontraram conforto. Muitas vezes aí tinham sido repreendidos e
muitas lágrimas aí tinham derramado, mas a verdade é que era aí que se sentiam
bem, porque aí viveram sempre amados, porque para aí correram, como ainda agora
fazem, sempre que se sentiam no desconforto da dúvida, do medo e dos fracassos.
Foi aí que sempre foram reconfortados. Foi aí que construíram a família que
continua a ser a razão e a base da sua segurança.
Na parede uma imagem da Sagrada
Família, estrategicamente pendurada, parecia acolher todos aqueles que na porta
entrassem. Por baixo, sentado numa cadeira, e com a esposa a animá-lo, no meio
de lágrimas teimosas, o pai rezava para que o filho voltasse. E voltou, nem
chegara a sair da estação.
Ao vê-lo as lágrimas correram mais, mas a fonte era
agora a emoção e a alegria…
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