Num momento passou-lhe
pela mente a imagem de morte numa certeza absoluta de que ela era real e numa
certeza absoluta e confusa de que estaria a sonhar porque esse momento não
podia ser real. Envolveu-o a imagem de uma ninfa esmagada pelos rodados grossos
do camião.
Fazia-lhe bem, muito bem, a fé que mantinha desde a infância.
Parou petrificado e assim
ficou até ao momento em que o roncar daquele mostro se fizeram ouvir mais
intenso, enquanto negras massas de fumo se iam desvanecendo para trás.
Ela caminhava com o cabelo esvoaçando ao vento e essa imagem fê-lo readquirir
forças e, num passo hesitante, caminhar no sentido em que ia antes.
Queria sentir-se em paz, e
a paz só era possível porque sabia que ela estava viva e que o levava dentro de
si, e que iria para longe, mas que voltaria, e que, lá longe, não deixaria de o
lembrar e que, se o lembrava era porque ele não lhe era indiferentes e que isso
era a prova provada de que ela o amava.
Mas a vida continuava e o
tempo não era de se ficar parado a ver passar a história, porque o amor move os
corações, faz ferver de energia, e transforma a vida de quem ama.
A Paz voltara a descer
sobre ele. Eram mil e uma emoções fortes, bem fortes, as que estava a viver nos
últimos dias: a morte de um ente bem querido e a certeza de que ele faz parte
da eternidade, a certeza de que alguém o ama, a certeza de que, pelo menos
aparentemente, nada pode destruir tanta felicidade. Era quase palpável a
energia que se fazia sentir sobre ele.
Era essa força, essa
energia, que havia de segurá-lo tantas vezes de pé sem sucumbir diante do
fracasso, do medo e de tantas dores que pelo tempo além a vida havia de
trazer-lhe. Mas isso não importava.
Um pontapé numa pedra, que
rolou rapidamente estrada além, e um pequeno passarinho assustado que levantou
voo. Um sorriso vivo e o esquecimento definitivo de algumas mulheres que
fizeram parte da sua história e do seu imaginário. Um salto por cima de um
marco e um ramo verde que arranca, traiçoeiro, de um arbusto.
Entrou em casa a trautear
uma melodia de Strauss. A ponta da camisa fora do sítio, desfraldado, como
lhe dizia, tantas vezes, a mãe.
Sentido
novo, vida nova, encanto marcado por um espírito diferente. “É o Espírito
Santo que anda muito atento comigo”, brincou ele interiormente ao perceber-se
assim feliz. Ficou mais feliz por dentro ao pensar-se amado por Deus.
Fazia-lhe bem, muito bem, a fé que mantinha desde a infância.